[CK2] Roma: Ordem e Moral

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[justify]Mergulhada em trastes, Roma anseia por quem restabeleça sua glória. Os imperadores lhe deram as costas e os bárbaros roubaram sua beleza. Roma não mais gera heróis e estadistas, pois sua fecundidade foi sugada pelo passado e enterrada na Antiguidade. Alguns aventureiros, todavia, pretendem ressuscitar, em meio às trevas da Alta Idade Média, o esplendor de Roma. Esses sonhadores desejam a ordem e a moral romana, mas correm o risco de reviver também os vícios da grande metrópole -a ordem imoral.[/align]

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[font=Times New Roman]CONFIGURAÇÕES

[size=130]> Jogo: Crusader Kings 2

Mod: When the World Stopped Making Sense (WtWSMS)
Início: 480 AD
Casamentos matrilineares = OFF
Pactos Defensivos = ON, depois OFF (a partir de ~580 AD)
Concessão de independência = IRRESTRITA[/size]

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OBSERVAÇÕES

[size=130]> Esta AAR é a continuidade de uma série de postagens no subfórum do CK2. Apagarei as postagens já feitas lá, transferindo-as para cá.

Conteúdo estritamente narrativo.
Narrador em 1ª pessoa, situado em tempos contemporâneos[/size][/font]

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CAPÍTULOS

[font=Times New Roman][size=130]> Primeiro

Segundo
Terceiro
Quarto
Quinto
Sexto
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IMPERADORES

[spoil][tabs][tabs:JULIUS Nepos (430-496) – WRE]


[justify][font=Times New Roman][size=130]Também conhecido como “Renovator” – o renovador. Foi romano e católico. Fundador da dinastia Neposina. Originalmente rei da Dalmácia. Imperador de 476 a 496.

Casou-se com uma plebeia síria e com ela teve 6 filhos legítimos (Italicus, Gaius Nero, Cornelius, Dalmaticus, Valerius Agrippa e Julius Septimus), dos quais apenas 3 alcançaram os 20 anos de idade. Teve também 1 bastardo (Varro). Criou o hábito de aprisionar vassalos poderosos em claustros amenos, a fim de conservá-los inócuos por longo tempo. Realocou a capital do Império para Roma. Morreu de morte natural aos 66 e foi sucedido por seu conselheiro Annius Marcellinus.[/size][/font][/align]

[tabs:ANNIUS Marcellinus (443-511) - WRE]


[justify][font=Times New Roman][size=130]Romano e católico. Originalmente prefeito de uma pequena cidade na Dalmácia. Imperador de 496 a 511.

Casou-se com a rainha do Egito, mas dessa união não resultou prole. Por razões desconhecidas, executou Gaius Nero Nepos, então um rapaz de 16 anos. Teve 1 filha bastarda (Antonia), a qual se tornou concubina dos reis ostrogodos e foi morta posteriormente por Italicus, como vingança. Continuou a prática de aprisionar vassalos, mas perto do fim de seu reinado ordenou a chacina de todos os detidos. Em virtude de sua severidade para com os grandes latifundiários e também por ter origens humildes, Annius foi idolatrado pelos colonos e outras parcelas pobres da sociedade. Aos 68, morreu de ferimentos graves adquiridos em batalha e foi sucedido por Italicus.[/size][/font][/align]

[tabs:ITALICUS Nepos (486-551) - WRE]


[justify][font=Times New Roman][size=130]Romano e católico. Representa o ápice político-cultural da dinastia Neposina. Imperador de 511 a 551.

Nutria simpatia pelos judeus e pela falcoaria. Casou-se com a filha de Zenão, imperador do Oriente, e com ela teve 6 filhos (Licinia, Agrippina, Barbula, Marcus Canutius, Aurelia e Minervina). Diferentemente de seus antecessores, que preferiam manter os aristocratas encarcerados em vez de destituí-los dos títulos, Italicus adotou uma política nepotista. Isto é: revogava os feudos de vassalos rebeldes e os transferia para familiares, consolidando assim a influência da dinastia.

Dessa forma, Italicus transformou seu irmão Cornelius em senhor absoluto da Bélgica, recém-conquistada. Ao sobrinho Antidius, filho de Julius Septimus, deu soberania sobre a Itália Setentrional. E a Catalunha, por fim, confiou a Sempronius Domitius, filho de Varro.

Italicus teve longas desavenças com os príncipes visigodos da Hispânia e com os governadores da Úmbria, na Itália Central. Através de um casamento, entretanto, entre sua filha Aurelia e o novo imperador do Oriente, neto de Zenão, Italicus selou uma aliança muito produtiva com os irmãos de Constantinopla. Auxiliou-os principalmente com recursos econômicos, recebendo em troca levas expressivas. Roma também recebia tropas por parte dos bárbaros federados, em especial ostrogodos.

Italicus morreu em batalha aos 65 anos e foi sucedido por Barbula.[/size][/font][/align]

[tabs:BARBULA Nepos (522-555) - WRE]


[justify][font=Times New Roman][size=130]Romano e católico. Imperador de 551 a 555.

Concedeu toda a Gália Meridional a seu primo Antidius, filho de Julius Septimus. Casou-se duas vezes: a primeira com uma princesa visigótica, com quem teve 1 filho (Italicus Agrippa); e a segunda com a duquesa da Úmbria, numa tentativa de amenizar as dores de cabeça que a região dava. Este segundo matrimônio rendeu-lhe também 1 filho (Julius Taurus), o qual não alcançou, entretanto, a idade adulta. Barbula dedicou-se a fortificar as fronteiras, iniciando a construção de uma grande muralha na Dalmácia, a inacabada Vallum Barbulae.

Foi vítima de uma conspiração geral da família, à qual se juntou a corte de Roma, insatisfeita com a conduta discreta do imperador, de abnegação do luxo e poucas apresentações públicas. Barbula morreu assassinado aos 23 anos, lançado de uma torre do porto de Ravena, onde fazia inspeções. A ideia partiu de sua esposa, que não se esquecera da agressividade dos Neposinos para com sua família –perdera a mãe e outros familiares nas mãos de Italicus. Barbula foi sucedido por seu irmão mais novo, Marcus Canutius.[/size][/font][/align][/tabs][/spoil]

[spoil][tabs][tabs:MARCUS CANUTIUS Nepos (523-578) – Império Romano]


[justify][font=Times New Roman][size=130]Também conhecido como “Gloriosus” – o glorioso. Romano e católico. Imperador de 555 a 578. Vive o auge territorial da dinastia Neposina, mas é seu último representante.

Aos 24 anos, por apontamento de seu pai, foi feito rei de Cartagena, adquirindo soberania sobre quase toda a Hispânia. A intenção de Italicus era delegar a seu filho menor a tarefa de lidar com os governadores belicosos da região; não havia previsão de que Canutius, algum dia, ultrapassasse essa competência. O jovem Canutius revelou-se um exímio comandante e repeliu com sucesso os rebeldes. Por dispor de recursos insuficientes, todavia, Canutius não pôde suprimi-los por completo.

Barbula, receoso da fama do irmão, se recusou a prestar auxílios militares e pecuniários, invocando como pretexto supostas normas de vassalagem que proibiam a interferência do suserano nos conflitos de seus subordinados. Como consequência, Canutius aceitou o convite da cunhada e tomou parte na conspiração contra o imperador. Morto Barbula, o rei de Cartagena dirigiu-se a Roma, onde foi aclamado como sucessor pelo povo.

Na Ligúria, todavia, outro membro da conspiração reclamou a coroa. Julgando-se mais preparado e merecedor que o primo, Antidius abriu hostilidades, com grande apoio da aristocracia visigótica. Munido de fabulosos generais oriundos do Oriente, Canutius esmagou o rival dentro de um ano.

Nos anos seguintes, Marcus Canutius partiu para conquistas externas. A principal delas foi a tomada de Constantinopla, onde reinava agora Himerios Clavelli, filho de Aurelia Nepos. Canutius percebeu que os gregos não estavam mais em condições de oferecer qualquer colaboração, haja vista a série de invasões que sofriam. Uma nova aliança com o Oriente, portanto, não teria utilidade, sendo mais proveitoso anexar seus territórios. O pretexto para a anexação foi fabricado às pressas.

A dinastia de Zenão morrera com seu filho Zenão II, em 509 AD. A essa época, nenhum descendente masculino de Zenão I era nascido. Exatamente por tal causa, a aristocracia grega escolheu como sucessor um dos generais dos Zenões, o experiente Kristophoros. Este reinou 11 anos, sendo sucedido por Tarasis, seu filho mais velho. Tarasis desagradou os vassalos e sofreu um golpe de Estado em 528 AD, quando foi substituído por Patrikolos Clavelli, neto de Zenão I e genro de Italicus.

Canutius concordava com o golpe, mas argumentava que era ele próprio, e não Patrikolos, quem deveria ter sido escolhido para ocupar o trono bizantino. Isso porque a mãe de Canutius seria mais velha do que a mãe de Patrikolos, embora fossem ambas igualmente filhas de Zenão I.

Essa argumentação encarava duas limitações: 1) Havia, pela lógica utilizada por Canutius, outros 4 candidatos acima dele próprio: 1 descendente de Zenão II, e outros 3 descendentes de uma terceira filha de Zenão I, a mais velha dentre todas. 2) Italicus reconhecera a legitimidade de Patrikolos ao propor-lhe a mão de Aurelia.

A reivindicação de Marcus Canutius, portanto, era válida, mas também inconclusiva. Dessa forma, a fim de debelar outros candidatos, tão logo veio a vitória na guerra Canutius extinguiu o Império Romano do Oriente. No lugar, emergiu o Império Romano unificado.

O basileu deposto, Himerios, então com 14 anos, conservou a cidade de Constantinopla, mas eventualmente foi banido para a Palestina. Quando contava com 30 anos, foi arrestado em seu solar e executado por ordens de Canutius.

Mesmo destino teve Magnilla Nepos, filha de Cornelius. Em virtude de sua íntima relação com os ostrogodos, traídos por Canutius, foi destituída de suas terras na Bélgica, herdadas do pai, e morta. Na verdade, Magnilla era casada com o próprio rei ostrogodo, tendo se convertido ao arianismo, doutrina dominante naquele povo. Por não enxergar lucro na fidelidade, Canutius abandonou os federados à sua própria sorte, recusando-se a enviar as legiões à fronteira. Os bárbaros acabaram consumidos pelos gépidas da Dácia.

Marcus Canutius casou-se com a rainha da Macedônia e com ela teve 3 filhas: Aelia, Fulvia e Severina. Tendo em vista que não se produziram herdeiros masculinos e que os parentes colaterais foram trucidados, Canutius teve de escolher como sucessor alguém de fora da família.

O imperador glorioso morreu aos 55 anos em virtude de infecções frequentes em seu braço direito, mutilado após muitas batalhas. Foi sucedido por seu indicado Priscus Flavius Afranius.[/size][/font][/align][/tabs][/spoil]
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DINASTIAS

[center]Capítulo I[/align]

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[size=130][justify][font=Times New Roman]Assistindo algumas coisas relacionadas ao Império Romano senti-me inspirado para baixar novamente o mod WtWSMS, que eu havia menosprezado da primeira vez que joguei.

Escolhi o cenário maio de 480, como Julius Nepos, o último imperador do WRE. O começo é bem difícil. O cara é velho, a esposa também, ele não tem filhos, e o império se resume a uns condadinhos na Croácia e a uma legião. Os ostrogodos, também interessados na Península Itálica, destroem Odoacro (rei bárbaro da Itália) com expressiva rapidez, então é uma corrida contra o tempo em todos os sentidos.

A partir do momento que você garante descendência e conquista Roma, o jogo fica bastante fácil.

O imperador Julius conquistou quase toda a Península Itálica antes de morrer. Seus sete filhos, todavia, ainda eram todos menores quando morreu. Seu conselheiro mais próximo, Annius Marcellinus, o sucedeu no trono (criei uma regra de que o império não pode ficar sob regência, o que evidentemente não é historicamente correto e facilita ainda mais o jogo, mas dá uma volatilidade maior às dinastias).

Annius Marcellinus governou um bom tempo e incrementou profundamente o tesouro do império. Já idoso, morreu de ferimentos durante a conquista do sul da Gália, que estava todo nas mãos dos visigodos. Foi sucedido pelo filho mais velho de Julius, Italicus.

Italicus governou 40 anos. Foi aclamado a princípio pelos vassalos, haja vista a impopularidade de seu antecessor, que executou uma série de gente importante da aristocracia. Com o tempo, entretanto, Italicus também se tornou um déspota. Grande guerreiro, conquistou boa parte da Península Ibérica e expulsou de vez os vândalos do sul italiano e de Córsega. Ironicamente, depois de tantas vitórias gloriosas, morreu em combate contra um herege priscilianista (a variedade de religiões neste mod é admirável, diga-se de passagem).

Italicus foi sucedido por seu filho mais velho, Barbula. Este governou por dois anos, até ser assassinado num conluio que envolvia seus próprios familiares. Seu irmão mais novo, Marcus Canutius, o sucedeu.

Seguiu-se uma guerra civil entre Canutius e seu primo Antidius, ambos naturalmente envolvidos no assassinato de Barbula. Canutius venceu e jogou o rival no “esquecedor”; Antidius, que por alguma razão já estava inválido, não demorou a perecer. Seu filho, Antidius o Jovem, foi executado posteriormente.

Canutius, impaciente, ainda está esperando descendência própria, mas já vai abrindo caminho. O inconveniente Barbula deixou dois filhos homens; o mais novo, Julius Taurus, já foi devidamente assassinado por Canutius; o mais velho, Italicus Agrippa, vive, não obstante os esforços contrários do imperador.

Um detalhe gritante é que Canutius é neto de Zenão, antigo imperador do ERE. Fazendo bom uso disso e do fato de que o ERE está enfraquecido por várias invasões no Oriente, Canutius tomou a coroa de Constantinopla e restaurou o império uno.

A única coisa que tem me chateado muito são os pactos defensivos. Tenho que ficar esperando algum bobão pisar pra fora para só aí devorá-lo…

Uma crítica à própria mecânica do jogo é a inserção dos regnal numbers após o primeiro nome. Por causa do longínquo Marco Aurélio, o Canutius ficou com esse “segundo” patético aí. Deveria haver uma opção para os jogadores, se querem após o primeiro ou após o segundo![/font][/align][/size]

[center]Capítulo II[/align]

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[justify]O império expandiu-se um pouco mais. Alguns vassalos dos merovíngios conseguiram independência e me aproveitei disso para dominar o norte da Gália.

Os visigodos, meus súditos desde o início do reinado de Italicus, trouxeram parte da Inglaterra para o império, por meio de heranças. A partir daí conquistei algumas terras vizinhas, dos bretões.

Tomei o sul da Grécia, o Egito e Cartago. Consegui fazer uns germânicos tributários.

O imperador viveu até bastante tempo; foi aleijado por décadas e morreu aos 55. Seguiu-se uma crise sucessória óbvia, pois a dinastia Nepos já não tinha membros do sexo masculino vivos. A saber: Italicus Agrippa foi executado por seu tio após uma rebelião malsucedida, meramente 1 ano antes da morte do próprio imperador.

Seguiu-se o que os historiadores hoje chamam de “Sobrinhanato” –uma sequência veloz de 3 sobrinhos de Canutius no trono imperial.

Na verdade, não eram somente 3, mas 7 pretendentes.

1º) Priscus Flavius Afranius — o favorito de Canutius, indicado por este em seu leito de morte. Sobrinho de Canutius através de sua mãe, Licinia Nepos. Ironicamente, Priscus não tinha muitas razões para gostar do imperador. Por envolvimento no assassinato de Barbula, sua mãe fora banida do Império e seu pai, ex-rei de Soissons, executado. Priscus reinou por 1 ano e 8 meses.

2º) Patrikolos Clavelli — filho de Himerios, o imperador do ERE deposto por Canutius 20 anos antes. Sobrinho-neto de Canutius através de sua avó, Aurelia Nepos. Durante a guerra civil, foi patrocinado por nobres da Grécia. Patrikolos reinou por quase 5 anos.

3º) Galerius Memorius — sobrinho de Canutius através de sua mãe, Minervina Nepos. Foi patrocinado por nobres da Ásia Menor. Galerius reinou por 2 anos e 5 meses.

4º) Tamas Abahu — comandante renomado das legiões de Canutius. Sírio, nestoriano, parente de sátrapas do Império Sassânida. Foi patrocinado por nobres do Egito. Morreu aos 64 anos, durante a guerra civil.

5º) Adusa Makkourae — comandante etíope de Canutius. Foi patrocinado por nobres da Bélgica. Foi derrotado por Patrikolos e executado.

6º) Sempronius Domitius — duque da Catalunha. Neto do imperador Julius Nepos através de seu pai bastardo, Varro Domitius. Foi patrocinado pelos visigodos. Morreu aos 65 anos, durante a guerra civil.

7º) Florian Agricolus — ex-cortesão de Canutius, agraciado com as províncias meridionais da Gália após a execução de Italicus Agrippa. Filho de um vândalo-ariano-bastardo do sul da Península Ibérica. Quando se tornou imperador, todos os demais pretendentes estavam mortos; a longa guerra civil (10 anos) teve um fim. Buscando disfarçar sua ascendência pouco ilustre, casou-se com uma neta de Canutius. Florian já vai para seu 6º ano de reinado.

Dos 7 pretendentes, 4 efetivamente ascenderam ao trono (o Sobrinhanato + Florian). Tudo foi marcado por uma sucessão violenta de execuções: Priscus foi executado por Patrikolos, que foi executado por Galerius, que foi executado por Florian. Naturalmente, familiares de cada imperador deposto também foram executados (e alguns ainda serão…).[/size][/font][/align]

[center]Capítulo III[/align]

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[font=Times New Roman][size=130][justify]Com Marcus Canutius, o Império Romano uno e cristão de Constantino foi restaurado a sua glória. Essa restauração, todavia, não durou tanto tempo quanto prometia durar.

Foram 100 anos, em que, na prática, três homens retiveram o poder.

Floriano, o vencedor da guerra civil, governou o império por pouco mais de duas décadas, o mesmo intervalo de tempo que seu patrono, Canutius. Fundou-se, então, a dinastia Agrícola, numericamente pequena, mas não pouco poderosa.

Floriano representava estabilidade. Era a esperança de uma nova Pax Romana, que brotaria entre as trevas e pavimentaria o caminho para a verdadeira Era de Ouro de Roma, jamais experimentada.

Floriano foi assassinado e sucedido por Festus, seu único filho legítimo. Em vida, o imperador Floriano ficou famoso por suas dificuldades conjugais. Sentenciou a esposa, neta de Canutius, à prisão perpétua, após uma tentativa fracassada de golpe de Estado.

A mulher acreditava que o trono deveria se manter na linhagem de Italicus (o mais notável representante da dinastia Neposina), e que seu marido nada mais era que um usurpador bárbaro. Nesse sentido, ela tentou assassinar Floriano, de forma que o filho do casal, ainda criança, se tornasse imperador e ela própria regente.

A conspiração falhou e, assim, a imperatriz decidiu iniciar uma rebelião a partir de suas províncias orientais (herdadas de seu avô), com a ajuda de aristocratas gregos que haviam apoiado Galerius Memorius na guerra civil.

Floriano derrotou sua esposa em batalha e se divorciou dela. Ele então se casou com uma princesa visigótica a fim de garantir uma aliança com seu pai, um contumaz atiçador de facções. Em última instância, a aliança foi infrutífera; ele próprio, o rei visigodo, encabeçou a conspiração que, finalmente, obteve êxito contra Floriano, envenenando-o, provavelmente com auxílio de informações fornecidas pela nova imperatriz.

A essa altura, Festus já era adulto. Sua entronação foi gloriosa: era o primeiro imperador nascido no reinado do pai. Herdou um império estável e militarmente poderoso.

Festus era, ao mesmo tempo, um Agrícola e um descendente de Italicus; mas isso não foi comemorado. Após a rebelião, Floriano iniciou um expurgo vingativo contra qualquer remanescente da dinastia Neposina; e seu filho deu prosseguimento a essa política. Buscava-se agora distanciar a nova dinastia da antiga, fosse vilipendiando-a, fosse escondendo laços.

Durante o reinado de Festus, Roma alcançou novamente a vasta extensão do século II A.D. Os bretões e anglos foram expulsos da Bretanha, os germânicos da Dácia exterminados, os redutos francos na Gália Setentrional derrubados, a conquista do Magreb e da Hispânia finalizada, e a expansão veloz dos turíngios nas estepes freada.

Festus se tornou famoso por sua caridade para com os plebeus, mas também por ser implacável com os inimigos do império. Inúmeros líderes tribais prestigiados foram friamente executados pelo imperador, que se divertia em escutá-los implorar. Conta-se que, perto do fim de seus 49 anos de reinado, durante uma rebelião nas Astúrias, Festus chegou ao ponto de encomendar o assassinato de todos os quatro filhos do governador rebelde.

Festus herdou de seu pai, além das terras e da túnica púrpura, os problemas domésticos. Casou-se com Gaia, filha de uma tradicional família de senadores do Lácio, e teve quatro meninos com ela. Após mais de 20 anos de matrimônio, todavia, Festus a executou. Motivada por ciúmes, a imperatriz atentara contra a vida de seu marido.

Em seguida, Festus se casou com sua amante Constantia, uma donzela aparentada com os poderosos da Hispânia, e legitimou o filho bastardo do casal. Nos 22 anos de união que se seguiram, vários outros herdeiros nasceram.

À época de sua morte, o imperador tinha 5 filhos homens vivos. Tendo em vista o temor de outra guerra interna de proporções continentais, não foi surpresa para ninguém o desmembramento do império.

A divisão foi feita desta forma:

Províncias italianas, dalmáticas e ilírias (Roma Italica) -------- Gallus Agricolus, filho mais velho de Festus e Gaia

Províncias gálicas e britânicas (Roma Gallica) ------- Gothicus Agricolus, segundo filho de Festus e Gaia

Províncias africanas (Roma Africana) -------- Rullus Agricolus, o bastardo legitimado, filho mais velho de Festus e Constantia

Províncias hispânicas e da África Ocidental (Roma Hispanica) ------- Vocula Agricolus, segundo filho de Festus e Constantia

Províncias balcânicas, da Ásia Menor e do Levante (Roma Orientalis) ------- Catullus Agricolus, caçula de Festus e Constantia

Dois desses herdeiros, por serem ainda menores, não exigiram propriamente sua parte na herança; foram os aristocratas locais que adotaram sua causa, a fim de evitar que os irmãos mais velhos (e mais temíveis) concentrassem as terras nas próprias mãos.

Nítido está que os vassalos não o fizeram por generosidade; o objetivo é manter um suserano fraco e despreparado no trono, de modo que eventual independência ou tomada do poder seja facilitada.

Não sei se os Agrícolas sobreviverão por muito tempo…[/align][/size][/font]

[center]Capítulo IV[/align]

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[font=Times New Roman][justify][size=130]Como era de se esperar, uma série de conflitos fraticidas mutilou a extensão do poderio Agrícola, tal qual legado pelo augusto Festus.

Não sei se isto vale algum mérito, mas, diferentemente do que ocorreu na dinastia anterior, as desavenças dos Agrícolas foram todas tratadas em batalha. Os imperadores colocaram suas ambições frente a frente, entre os escudos e lanças, e ali, no deserto ou na neve, com grande glória pereceram.

O pobre Vocula foi a primeira vítima. Uma aliança improvável –a primeira de muitas que se seguiriam- entre Rullus e Gallus o levou à ruína. A Itália e a África, unidas, contra a Hispânia. Vocula caiu prisioneiro perto das ruínas de Cartago, morrendo pouco depois, ainda jovem, na humidade das celas de Alexandria.

Vocula não deixou filhos. Os nobres hispânicos, temerosos de um expansionismo áfrico-italiano, convidaram Gothicus para assumir o império ibérico, convite que, naturalmente, foi aceito.

O vínculo de afeto entre os filhos mais novos de Festus, os filhos de Constantia, jazia quebrado. Agora era vez dos filhos mais velhos, os de Gaia, entrarem em atrito.

Foi uma guerra estranha, da qual não emergiram, a bem da verdade, vencedores. Por causa de uma pequena faixa de terra na Sicília, transferida para o domínio gálio em virtude de peculiaridades jurídicas, o imperador da Itália, Gallus, abriu fogo contra seu irmão Gothicus.

Sob as escarpas enevoadas dos Alpes, ao lado dos belos lagos, onde Aníbal passeou com seus elefantes, os italianos travaram uma batalha terrível e dolorosa contra os gálios. Uma batalha longa, disputada palmo a palmo, que surpreendeu os generais de Gallus, impressionados com a velocidade heroica com que os reforços de Gothicus chegaram.

Gallus estava pronto para enforcar os responsáveis por aquele desastre, até que, pouco antes da ordem de retirada, notícias distraíram a ira do imperador. Seu irmão, Gothicus, fora ferido por uma flecha no pescoço e estava morto.

Ambos os lados retornaram lastimosos para casa: os italianos porque não conseguiram a maldita terra, os gálios porque perderam um grande líder. Gallus não demorou a enviar mensageiros para seu sobrinho, Grammaticus, primogênito e sucessor de Gothicus, a fim de negociar uma paz. Mais que “paz”, na verdade: negociar uma aliança, a ser selada com o noivado de Columella e Livilla, filhos respectivamente de Gallus e Gothicus.

Tremenda reviravolta. Rullus, que era aliado de Gallus até então, inclusive na guerra contra os gálios, era a nova vítima do sagaz imperador da Itália. O perigo não podia ser mais claro: a Gália e a Itália, enfraquecidas, seriam alvo fácil de uma natural mancomunação entre a África e o Oriente.

Gallus não esperou ser traído: traiu primeiro! Somando forças com Grammaticus, iniciou uma invasão relâmpago à África. Catullus, o caçula, estava ocupado com seus próprios objetivos expansionistas no Levante e não teve tempo de firmar um tratado com Rullus.

O intento de Gallus não era, de maneira alguma, incorporar a África à Itália; a recompensa seria baixa e a estabilidade geral comprometida, em função dos poderosos vassalos líbios e das constantes revoltas dos pastores berberes. Gallus pretendia apenas encarcerar seu meio-irmão, mantê-lo sob sua vigilância em Roma pelo maior espaço de tempo possível.

Dessa forma, a África permaneceria inofensiva, incapaz de se aliar a quem quer fosse e de guerrear contra a Itália. O plano foi bem sucedido por um tempo, até a ambição de Grammaticus reacender a carnificina. O novo imperador da Gália, confiante no auxílio de Gallus, declarou guerra a seu tio Catullus, argumentando que todos os filhos de Constantia seriam ilegítimos e, portanto, usurpadores de uma herança que só caberia aos filhos de Gaia e seus descendentes.

A guerra se assemelhou deveras à anterior, entre Gallus e Gothicus. Duas potências com forças similares, desgastando-se mutuamente até a completa exaustão. Façanhas inverossímeis foram alcançadas nas montanhas ilírias, onde contingentes fixos de gálios e italianos repeliram repetidos reforços orientais. Eventualmente, todavia, Gallus percebeu que estava honrando a aliança com Grammaticus “além da conta”, que existia perigo real de aquela brincadeira acabar numa indesejada hipertrofia do império gálico.

As tropas italianas recuaram para a Panônia e os soldados da Gália, agora sós, foram trucidados por Catullus. Grammaticus, sufocado pelo arrocho financeiro, buscou um acordo. Pela primeira vez os imperadores Agrícolas se reuniram para tratar de paz. Encontraram-se no Tratado de Siracusa todos os três irmãos que ainda viviam, e o filho de um dos dois que já haviam perecido.

As condições de Catullus eram claras: a abnegação, por parte de Gália, de qualquer reivindicação sobre o Oriente ou a África; e o rompimento da aliança gálico-italiana. Grammaticus, que ainda possuía efetivos militares na outra ponta do Mediterrâneo, esclareceu que não se tratava de uma rendição, mas de uma trégua, e que não abandonaria seu argumento acerca da ilegitimidade da prole de Constantia.

Em relação à aliança, Grammaticus não apresentou objeções. Seus laços com Gallus já haviam sido feridos quando este recuou da campanha ilíria, tornando-se um traidor aos olhos de toda a nobreza gálica. O filho de Gothicus tomou o cuidado, entretanto, de jurar um pacto de não agressão com a Itália, a fim de que, enquanto Gallus vivesse, nenhuma investida contra a Gália partisse de Roma. Surpreendentemente, o traiçoeiro Gallus não só assinou como cumpriu o pacto.

Maior surpresa, todavia, ocorreu no último dia de negociações, quando Catullus subitamente lançou uma nova condição. O prisioneiro Rullus, que fora trazido a Siracusa para ser humilhado e alimentar a vanglória de Gallus, deveria ser solto. Fosse o amor fraterno em torno da maternidade comum, fosse um projeto político, o princípio motor dessa ideia pouco importava naquele momento. Rullus e Catullus se abraçaram triunfantes, após Gallus, muito a contragosto, pressionado por Grammaticus, concordar.

O retorno do imperador da África a Alexandria foi inacreditável. O rei da Líbia, cuja família fora elevada ao poder por Festus durante a conquista do Magreb, ouviu abismado as novas. Acostumara-se com a grande autonomia gozada durante o cárcere de Rullus. Quando contraía empréstimos dos mercadores malteses, agendava assim a data da paga: “quando o imperador voltar”, o que tinha mais ou menos o sentido de “quando os porcos voarem”.

O velho líbio foi a Alexandria assistir com seus próprios olhos à comitiva ufana de Rullus. Amado pelo povo e seguido por seu inconfundível séquito de jovens favoritos, o imperador da África anunciava sua glória.

Nova reviravolta. Chega a confirmação de que o gesto de Catullus não indicava compaixão, mas estratégia. O imprevisível caçula de Festus invadiu o Egito e penetrou rapidamente até Alexandria, pressuroso por capturar Rullus o mais rápido possível. Parecia que o destino do imperador da África era mesmo a prisão. Catullus exigira a soltura de Rullus com o puro intento de transferir o irmão do calabouço romano para o calabouço grego. O conflito desta vez era mais grave: Catullus não via o encarceramento como fim, como Gallus via, mas como meio para dominar toda a África.

A vida, entretanto, é um chocalho na mão do destino; oscila ferozmente, lança o maior aos pés do menor, une os opostos e desune os próximos. O imperador da Itália, ciente da invasão oriental, propôs uma segunda aliança com Rullus, com o intuito de deter o avanço de Catullus. Quem diria! Nas planícies do Delta do Nilo, novamente se uniam italianos e africanos.

A guerra veloz que Catullus queria ocorreu; mas não a seu favor. Diante do riso dos faraós, que de seus sarcófagos assistiam a tudo, o imperador do Oriente tombou, logo no primeiro confronto relevante, esmagado pela cavalaria africana.

Catullus deixou dois filhos menores. A aristocracia grega, sem hesitação, escolheu Ciríaco Pegonitissos, rei do Ponto, como seu sucessor. A dinastia Agrícola acabava de perder, oficialmente, uma fração de sua grandeza.

Cinco anos depois, morria de velhice o imperador Gallus. Dos filhos do augusto Festus, restava agora apenas Rullus –Rullus, o bastardo, o despreparado, o humilhado. Todas aquelas serpentes gananciosas, astutas e orgulhosas, mortas; ele, que não era diferente delas, o único sobrevivente. O que a Fortuna teria encontrado de tão especial em Rullus?

Gallus foi sucedido por seu filho mais velho, o surdo Columella. O pacto de não agressão com a Gália vinculava apenas Gallus; e, de toda forma, a união com Livilla, irmã de Grammaticus, nunca se consumou. Com base nessa linha de raciocínio, o novo imperador italiano iniciou a guerra de desforra, pelo mesmo quinhão de terra que Gothicus morreu defendendo.

Desta vez a Itália venceu. Mas Columella não parou por aí: queria estraçalhar o império de seu primo de todas as maneiras concebíveis. Ofereceu apoio a Pegonitissos e a rebeldes ibéricos, que mantinham suas próprias guerras contra a Gália. Neste ínterim, Columella se casou com uma ariana, aproximando-se bastante da heresia, que estava, afinal, na gênese da própria família -o imperador Floriano, seu bisavô, era filho de arianos.

Columella foi conhecido por sua bondade, mas também por seus exageros nas refeições. Passou a maior parte de seus 6 anos de reinado no exterior, combatendo na Ásia e na Hispânia. Columella morreu de repente, no decorrer do que parecia ser apenas mais uma batalha, trespassado pela lança de um legionário gálio. Seu irmão mais novo, o caçula Proximus, foi aclamado pela nobreza italiana como imperador.

Sobre Proximus é possível dizer muito pouco. No auge de sua depressão, refugiou-se em Capri, a famigerada ilha de Tiberius. Lá, recebeu toda sorte de heresiarca pelagiano, daqueles que nessa época prosperavam no norte da Gália. Liberou centenas de donativos para os pobres de Roma, tentando futilmente encontrar alguma valia em sua existência. Proximus atirou-se de uma escarpa de Capri pouco antes de completar 2 anos de reinado.

Infelizmente, os nobres não tiveram outra opção senão entregar o trono imperial para Gargula, o detestável filho do meio. Gargula sempre fora desprezado pelo pai. Seu nome era uma lembrança da velha Nantisama, a princesa celta, de quem Gallus se divorciou tanto por tê-lo traído como por não ter lhe dado filhos homens. O amante foi assassinado e a adúltera enclausurada num convento –sorte dela, a julgar pelos precedentes da dinastia Agrícola…

A velha Nantisama gostava de contar a história de um dragão que, supostamente, aterrorizara por anos sua terra natal. Dizia ter visto a besta pessoalmente, e que seu nome era Gárgula. Gallus sempre se riu do conto; quando seu segundo filho nasceu, achou-o tão feio que lhe pôs o nome do tal dragão.

Poucos meses depois da ascensão de Gargula, uma última reviravolta, para sagrar o zelo do destino por Rullus. Grammaticus morria em batalha contra os bárbaros germânicos, que, à semelhança dos pictos e dos persas, aproveitavam-se da desintegração do Império Romano para contra-atacar.

Grammaticus não possuía herdeiros vivos.

Os nobres hispânicos imediatamente coroaram Venantius Decius, o filho do governador rebelde patrocinado pelos imperadores italianos. Evidentemente, a presença de 10 mil soldados de Gargula na Península facilitou a escolha.

Na Gália, os vassalos foram mais cautelosos. Objetivando uma transição lenta, que findasse o poder dos Agrícolas de maneira mais segura, a nobreza gálica convidou Rullus para assumir o império. Senil e sem filhos, o carismático imperador da África era a opção perfeita. Ao aceitar, Rullus concentrou em suas mãos, sem grandes esforços, aquilo que seus irmãos morreram ambicionando: a supremacia absoluta.

A política externa, todavia, ainda prossegue conflituosa. A África está sendo saqueada por Pegonitissos e chefes tribais, e os poderosos persas estão se aproximando. Rullus pactuou com Gargula uma aliança, a fim de somarem forças contra os que tentam se aproveitar da tragédia familiar.

Nenhum dos irmãos de Gargula teve resolução o bastante para abnegar da fé calcedônia, embora tivessem tendências hereges. Mas parece que isso vai mudar… Aliás, pode-se considerar finalizada a era dos Bons Imperadores, que se estendeu por 90 anos, de Festus a Proximus. O último tirano de Roma foi Floriano Agrícola; ninguém vivo hoje, no ano 700, o conheceu. Gargula está assumindo a tarefa de refrescar a memória do povo…
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[center]Capítulo V[/align]

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[font=Times New Roman][size=130][justify]Estamos no ano 740. A dinastia Agrícola está completamente destituída de seus tronos.

O Oriente foi perdido após a morte de Catullus. A Hispânia, após a morte de Grammaticus. A Gália e a África, após a morte de Rullus. E a Itália, último bastião, após a morte de Gárgula.

Os suspiros finais dos Agrícolas na Itália foram marcados pela tirania. Roma, considerada hostil demais pelo imperador, perdeu o status de capital em favor da Dalmácia, o ponto de partida da restauração romana de fins do século IV AD.

A escolha não foi aleatória: a Dalmácia era a única região do Império Romano-Itálico ainda infestada pelos pregadores arianos. Diferentemente dos imperadores Neposinos, que “purificaram” a ferro a Península Itálica, os Agrícolas nunca deram grande valor à persecução de hereges. Em sua origem, eram eles próprios descendentes de arianos. Foi por causa dessa negligência que o arianismo conservou um lar tão perto de Roma.

Os filhos de Gallus, criados em meio aos conflitos fraticidas, perderam o zelo pelo catolicismo calcedônio. Convidavam abertamente monges e teólogos de todas as seitas cristãs da Europa para a corte, com especial deferência para os arianos -os “verdadeiros padrinhos de Constantino”, conforme se gabavam. Columella chegou a se casar com uma ariana da África, após o rompimento de seu noivado com a irmã de Grammaticus.

Os irmãos de Gargula, todavia, percebiam o perigo de assumir oficialmente outra fé que não aquela firmada em Niceia. Todas as potências cristãs estrangeiras e todos os poderosos vassalos abominavam qualquer alternativa ao Cristianismo católico.

Mas Gargula era inconsequente e fanático. Atribuía a morte prematura de sua esposa, filha de Vocula, a obras de feitiçaria dos súditos insatisfeitos –muito embora tudo apontasse para sífilis. Gargula amava-a tanto que se negou a contrair novas núpcias. Ao ser coroado diante dos semblantes de desprezo e desconfiança, Gargula jurou silenciosamente vingança. E ela não tardou.

Em seu 2º ano de reinado, o imperador proclamou o arianismo como a nova religião oficial. Destituiu o papa de seus domínios temporais e o confinou a um sobrado miserável na periferia de Roma, proibindo-lhe de deixar a cidade sem autorização.

Em substituição ao papa, o senil Aurelius Domitius foi aclamado o primeiro bispo ariano de Roma e pouco depois patriarca supremo do Império Romano-Itálico. A ascensão de Aurelius marcava uma política decisiva de Gargula, a qual teria reflexos cruciais no futuro próximo.

O imperador procurou aproximar do poder seus primos distantes, os Domícios, notórios seguidores de Ariano, que há dois séculos haviam se assentado na Península Ibérica. Eles descendiam de Varro Domitius, o filho bastardo de Julius Nepos, a quem nenhum apanágio jamais foi dado. A prole do bastardo, todavia, caiu em graças no final do reinado de Italicus e obteve grandes herdades no nordeste da Hispânia.

No interregno pós-Marcus Canutius essa família já mostrava sua força, lançando um filho de Varro como candidato ao império. Nessa ocasião, os Domícios fracassaram, mas a Fortuna nem por isso os esqueceu.

Uma análise genealógica acurada revela que os direitos dos Domícios ao trono, enquanto descendentes diretos dos Neposinos por via patrilinear, eram muito superiores aos dos próprios Agrícolas, descendentes marginais por via matrilinear.

Tal ponderação apenas confirma que, novamente, a escolha de Gargula foi premeditada: ele procurava sucessores confiáveis, que compartilhassem de sua fé e reunissem legitimidade suficiente. A procura, naturalmente, era motivada pela ausência de tais candidatos entre seus parentes mais próximos. Os filhos e sobrinhos de Gargula eram ainda menores, de opinião facilmente influenciável e incapazes de enfrentar a torrente contrária à conversão ariana. Na verdade, havia uma exceção, de quem falaremos posteriormente.

Oficialmente convertido, Gargula iniciou uma verdadeira purificação. Revogou os títulos de cada vassalo católico, um a um, intimidando-os com todas as tropas a sua disposição. Parte dos vassalos resignou-se. Destaquem-se os oligarcas do Centro-sul italiano (Lucânia, Sâmnio e Flamínia), que foram todos substituídos por Domícios favoritos do imperador. Com a Sicília Gargula foi especialmente cruel: confiscou as terras da duquesa Tarsila e ordenou que a enforcassem por seus notórios vícios.

Os governadores do norte, todavia, sentindo-se fortalecidos o bastante, se insurgiram contra Gargula. A eles se juntou Ansila, o governador da Panônia, província conquistada por Festus e até então habitada por tribos germânicas oriundas da desintegração dos ostrogodos. Ansila era o vassalo mais popular do Império, um monstro criado pelas mãos do próprio Gargula, que, nos primeiros dias de seu reinado, expulsara a dinastia local pagã e entregara os territórios a Ansila, um cristão de origem bárbara.

A guerra civil foi arriscada. Gargula subestimara o poderio inimigo e agora, mesmo sugando o máximo possível de levas e impostos dos vassalos restantes, encarava batalhas de resultado imprevisível. Aqui, pelo menos, o imperador teve o cuidado de não reproduzir o erro de muitos dos Agrícolas, isto é, comandar pessoalmente as batalhas. Assim morreram Gothicus, Catullus, Grammaticus, Columella e Barbatio (o jovem e genial filho de Rullus, morto em combate contra os gregos).

Gargula, percebendo a necessidade de recuperação de seus exércitos, pediu trégua. Os rebeldes aceitaram, conservando-se assim o status quo ante bellum. Pouco tempo depois, o imperador, conspirando com seus favoritos as diretrizes para o confronto final, foi surpreendido por uma disenteria fatal. Faleceu no início de seu 4º ano de reinado aquele que pretendia se igualar ao grande e terrível Floriano…

A sucessão foi um caso problemático. Os aristocratas do império se reuniram em Roma e a notícia logo atraiu embaixadores dos Estados vizinhos. Os Domícios argumentavam que Gargula fizera sua vontade clara no leito de morte, indicando o governador da Lucânia, Tacitus Domitius, como seu sucessor.

Os nobres do norte se dividiam em duas facções.

1ª) A primeira facção reclamava os direitos de Fraternus Maximus, o primogênito do suicida Proximus, então um rapaz de 15 anos de idade. Neto mais velho de Gallus, Fraternus havia sido educado sob a tutela de Gargula, segundo os preceitos arianos, com o intuito de dar continuidade à obra do tio. Era evidente para essa facção que Fraternus fora o verdadeiro escolhido e que os Domícios escondiam tal fato.

Um dos contra-argumentos rezava que Fraternus ainda não atingira a maioridade para assumir o trono e que, segundo os princípios tradicionais de sucessão, outrem deveria ser escolhido, após a morte do qual Fraternus, já maior, poderia reinar. Essa linha de raciocínio encontra amparo na Era Neposina, quando Julius Nepos morre sem filhos maiores e seu braço direito, o sanguinário Annius Marcellinus, toma o poder, sendo posteriormente sucedido por Italicus, filho de Julius.

Em pleno século VIII, entretanto, as memórias desse período já eram escassas. Um exemplo contrário e mais convincente na mente dos contemporâneos era o de Venantius Decius, o rapaz de 15 anos que herdara no ano 700 o Império Romano-Hispânico, assumindo dentro de pouco tempo as funções normais de Estado.

Talvez o contra-argumento mais forte contra a 1ª facção fosse, na verdade, de natureza puramente política. Ansila e os patrícios de Salona, a república recém-formada no litoral da Dalmácia, manifestaram com veemência sua contrariedade à eleição de um novo Agrícola, quanto menos de um ariano, criatura de Gargula.

2ª) A segunda facção era liderada pela influente duquesa da Ligúria, Octavia Forlius, que pretendia coroar imperador seu pequeno noivo de 10 anos de idade, Memorabilis. Este era ninguém menos que o único filho de Columella. A duquesa pretendia agir como regente em nome do futuro cônjuge, governando de facto o império durante pelo menos uma década. Octavia tinha o apoio do vigoroso governador da Histria, mas alguns obstáculos se lhe foram rapidamente impostos.

Memorabilis era fruto de um adultério entre Columella e uma princesa da Cicília e, portanto, ilegítimo para fins de sucessão. Curiosamente, foram os Domícios que mais frisaram esse ponto, talvez com o intento de demonstrar que davam mais valor à indicação de Gargula do que a sua própria ascendência (bastarda).

Outro problema foi a aparência física do garoto, que possuía uma caricata corcunda e era universalmente tratado como imbecil pela corte.

Para além dos Domícios, das duas facções setentrionais, havia ainda inúmeros outros candidatos. Para citar apenas os mais ilustres:

[] os reis da Dácia, da Trácia e da Cicília, bisnetos de Gallus através das filhas deste.

[] o rei de Logres (a “Inglaterra” bretã), bisneto de Festus através de uma filha deste.

[] o rei da Gália Meridional, bisneto de Gothicus através de uma filha deste.

[] os 2 filhos de Catullus, residentes no Ponto.

Evidentemente, esses interesseiros não possuíam recursos palpáveis para fazer valer sua reivindicação, fosse pela fraqueza desta (parentesco distante por via feminina), fosse pela distância.

Ao cabo de quatro dias de negociações o Império Romano-Itálico conheceu seu novo imperador. Tacitus Domitius, o indicado de Gargula, foi aceito pelos vassalos sob a condição de respeitar as crenças particulares e os direitos feudais. Ambas as partes firmaram o compromisso de não se rearmarem.

Como de praxe, as promessas foram rapidamente quebradas. Fanático tal qual o patrono, Tacitus deu novo ímpeto às perseguições contra os católicos. Reafirmando o sentimento separatista de que fora o grande representante no encontro de Roma, Ansila se autodeclarou rei da Panônia, negando-se a pagar impostos para o novo imperador.

Tanto serviu como pretexto para Tacitus recrudescer os confiscos e atacar diretamente os grandes aristocratas do norte. Uma nova guerra civil logo estourou. Desta vez os rebeldes mobilizaram contingentes maiores; a derrota era o destino infalível de Tacitus, que se viu rodeado do espírito pessimista de seus próprios familiares.

Convencido de que o conflito seria devastador para os Domícios, Tacitus seguiu o conselho de seu pai Marciano e abdicou do trono, após um curtíssimo reinado de 3 meses e 17 dias. Novo encontro geral foi convocado, através de uma trégua selada pela troca de reféns entre os envolvidos.

O partido de Ansila, que já havia alertado para os riscos da submissão a um império de vocações despóticas, adentrou as muralhas de Urbino, nas encostas dos Apeninos, em triunfo. Já estava nítido para todos que a única solução era a desintegração do Império Romano-Itálico.

Essa conclusão foi condicionada, todavia, à renúncia de Ansila ao título de rei da Panônia, que deveria ser assumido pelo pai de Tacitus. Essa condição esdrúxula surpreendeu o bárbaro menos que a ratificação dela por seus próprios aliados, os aristocratas católicos. Estes temiam que Ansila tivesse soberania imediata sobre as planícies ao sul do Danúbio, aproveitando-se do vácuo de poder para invadir os recém-independentes Estados vizinhos. Marciano Domitius serviria como um freio para o bravo germânico.

Todas as províncias italianas se separaram, a exceção da Flamínia, do Lácio, da Lucânia e da Sardenha Inferior, que eram possessões pessoais dos Domícios.

Estes concordaram em assinar um termo de paz humilhante. O novo imperador, escolhido às pressas em Urbino, comprometeu-se a um reinado não expansionista, à limitação severa dos poderes imperiais e a respeitar a soberania dos vizinhos. Em troca, obteve discricionariedade sobre as leis de sucessão do que restara do Império.

A corte imperial fixou-se permanentemente em Salerno (capital estabelecida por Tacitus) e ali foi coroado o sucessor de Tacitus, a agosto de 704 AD.

Romanus Domitius, primo-primeiro de Marciano, feito governador da Flamínia um ano antes por Gargula, assumia aos 50 anos de idade o “Império de Salerno”, como se tornou conhecido o Império Romano-Itálico. Era o golpe de misericórdia na história dos Agrícolas, que saíam de cena para dar lugar a uma nova dinastia, doravante estável e duradoura.

Romanus seguiu à risca os termos do Tratado de Urbino, tratando docilmente os vizinhos. Os súditos que lhe restaram, todavia, foram duramente reprimidos, com direito a fogueiras coletivas de agitadores denunciados como hereges. A História, por sua vez, empanturrada de tiranos, escolheu valorizar Romanus pelo seu outro lado, mais ameno: a poesia.

Romanus foi um profundo estudioso da história greco-romana clássica e transformou a corte salernitana em abrigo de numerosos filósofos neoplatônicos, que ouviam satisfeitos suas declamações matutinas.

A tirania de Romanus, entretanto, não foi ignorada por seus contemporâneos, que o consideravam um velho medíocre e indigno da coroa do augusto Festus. O imperador foi envenenado em três oportunidades. Sucumbiu apenas na última delas, em meados de seu 6º ano de reinado, quando os conspiradores finalmente driblaram sua feroz saúde, elevando a concentração de arsênico no vinho.

Romanus foi sucedido por um dos líderes da conspiração, seu único filho, Bacchulus ou “pequeno Baco”. O novo imperador de 29 anos fez jus ao nome de batismo, uma irônica homenagem do pai filo-helênico. De estatura menor que a habitual e apaixonado pela exuberância dos banquetes e festivais, Bacchulus entrou para a história como a fina flor da dinastia Domícia, o pioneiro de uma reconstrução.

Bacchulus ligou o espírito religioso às artimanhas políticas com tremendo sucesso. Buscou espalhar a influência ariana por todas as províncias da Itália, valendo-se não do despotismo, da intolerância ou do desejo de vingança, mas da frieza e de ponderações quase aritméticas.

Um excelente diplomata, Bacchulus também possuía afinco pela poesia e pelo estudo da história de seus longínquos antecessores, os Neposinos. Alguns historiadores afirmam que o imperador escreveu mesmo uma autobiografia, que se iniciava com seu ancestral Varro Domitius, mas há muito perdida, denominada “Eu, Báculo”.

Foram 26 anos de reinado, em que os sucessos militares de Salerno emprestaram ao imperador um respeito que estivera ausente desde a morte de Gallus. Quatro dos Estados menores da Península Itálica sofreram a intervenção de Bacchulus, que encontrou uma forma de se esquivar do Tratado de Urbino.

O termo assinado proibia a reexpansão do Império, mas nada dizia sobre financiar pretendentes. Bacchulus começou seus trabalhos pela Sicília.

Em 702, a duquesa Tarsila foi despojada de sua província por Gargula, que repassou as terras para seu campeão, o grande general visigodo Recaredo. Durante o reinado de Romanus, Recaredo foi expulso por um primo-primeiro de Tarsila e morreu pouco depois.

Bacchulus convidou para sua corte Albinus Nicetas, filho de Tarsila, oferecendo-lhe o trono siciliano e proteção em troca de sua conversão ao arianismo. O pretendente aceitou a proposta e assim os exércitos de Salerno tiveram um pretexto para invadir a Sicília. O governador à época, primo-segundo de Albinus, foi deposto rapidamente.

O imperador cumpriu sua promessa e retirou o exército após a vitória. No mês seguinte, todavia, a nobreza local enxotou Albinus em favor de um outro primo, o que fez com que Bacchulus regressasse à ilha. Desta vez o conflito foi mais longo e custoso, por ter se limitado essencialmente a cercos. No final, Salerno conseguiu colocar de vez seu candidato como senhor da Sicília.

Com o intuito de incrementar o Tesouro real, Bacchulus extorquiu as repúblicas vizinhas de Amalfi e Salona. Chama a atenção o caso desta última, que se viu ameaçada por hordas de servos e colonos dalmáticos, insatisfeitos com as elites da região. O imperador, de passagem por aquelas bandas após uma infrutífera tentativa de salvar a Panônia dos invasores francos, tomou a iniciativa de debelar os revoltosos. Bacchulus foi recepcionado em Salona como herói, mas não demorou a revelar seus verdadeiros interesses.

Novos alojamentos militares foram construídos e as tropas desgastadas recompostas. Seguiram-se guerras similares a da Sicília: Sâmnio, Histria e Úmbria tiveram seus governantes substituídos por pretendentes arianos de Bacchulus. A Córsega, por ter atacado Albinus, sofreu retaliações de Salerno, mas pôde manter seu chefe nativo com a condição de que ele se convertesse.

Em seus últimos dias, Bacchulus se tornou muito paranoico, em especial depois de descobrir que seu filho, Garrulus, tramava seu assassinato. O imperador perdoou o herdeiro, talvez por remorso. As precauções, entretanto, foram drasticamente recrudescidas. O vinho, até então uma alegria suprema, se tornou o principal terror do imperador, que não sorvia uma gota sequer antes que sua multidão de pajens a provasse.

A morte, brejeira como sempre, veio por onde Bacchulus menos esperava. Cortesãos ansiosos por fazer fama com o futuro imperador engendraram um plano inicial: um conjurado cego iria dividir uma maçã com Bacchulus, tendo em mente que a metade dada ao imperador estaria envenenada e a outra não.

Não contavam com o fato de que o imperador já conhecia o truque, cópia de uma lenda sobre Marco Aurélio. O príncipe, impaciente com a inépcia de seus bajuladores, decidiu tentar algo por conta própria. Um bispo interiorano, por suborno de Garrulus, convidou o imperador para uma caçada a norte de Roma. Aceito o convite, alguns anciãos locais, também subornados, presentearam Bacchulus com um corcel, insistindo que Sua Majestade experimentasse o animal na mesma oportunidade.

Bacchulus assentiu. Ainda no início da cavalgada, no entanto, desmontou de repente, tomado por dores intensas. Garrulus escondera um escorpião africano sob a sela, envolto num manto grosso de linho.

Bacchulus morreu febril alguns dias depois e foi sucedido por seu filho, que curiosamente também ascendeu com 29 anos.

A Era dos imperadores poetas se ia.


Observações:

-Tacitus foi feito arcebispo na Lucânia por Romanus, falecendo misteriosamente por lá aos 27 anos de idade.

-Marciano e Ansila acabaram destruídos pela invasão dos francos. Desde que foram expulsos da Gália por Marcus Canutius, os merovíngios se expandiram pela Europa Central e dominaram inteiramente a Escandinávia.

-Rullus morreu durante o reinado de Romanus, após passar longos anos afligido pela pneumonia. Na Gália e no Egito, foi sucedido por Joannes Sempronius, um governador do nordeste da Gália membro de uma família pérfida, cujo poder remontava aos tempos de Italicus.

Na África, Rullus foi sucedido pelos reis líbios pagãos, alçados ao mando quando da conquista do Magreb por Festus, que favoreceu a tribo dos Zítidas sobre a dos Charífidas, antigos chefes da região. Os novos imperadores da Roma Africana a rebatizaram como “Império de Tripolitânia”.

-Também no reinado de Romanus faleceu Ciríaco Pegonitissos, o poderoso imperador do Oriente, sucessor de Catullus. Em seu lugar, se ergueu uma nova dinastia, que realocou a capital para Constantinopla e restaurou oficialmente o Império Romano do Oriente, 150 anos após sua extinção por Marcus Canutius. Essa dinastia se chama Paleóloga…[/align][/size][/font]

[center]Capítulo VI[/align]

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[font=Times New Roman][size=130][justify]Roma não dá descanso aos seus moradores. Deliciada pelos elogios, mas também pelas súplicas, ela se entedia facilmente com a paz. De vez em quando, para que não se esqueçam das origens, Roma se veste de vermelho.

Após o mel dos Domícios, o império experimentou o cajado da família. Todos os tiranos de Roma invejaram, do silêncio monótono de seus sepulcros, esse sublime momento. O poder indisputável e arbitrário sonhado por Gargula se concretizou em Garrulus, que não deixou nada a dever aos sanguinários da Antiguidade clássica.

Cuidado, no entanto, para não banalizar a impiedade do novo imperador. Jamais houve, desde Julius Nepos, qualquer coisa parecida.

A mais decisiva reforma do reinado de Garrulus foi o abandono do arianismo. O império de Salerno nasceu ariano e se esforçou por expandir a crença pelo restante da Península; foram 3 décadas de devoção. Uma experiência fortuita, todavia, mudou definitivamente os rumos religiosos de Roma.

À época a mudança parecia um capricho, cuja sobrevivência todos vaticinavam curta. Ou melhor: mais um episódio da quadrilha espiritual que desde Columella fervia o império.

A semente da conversão de Garrulus foi uma expedição ao nordeste da Itália. Seu pai, Bacchulus, empreendia lá um cerco aos rebeldes da Histria, que haviam se sublevado contra a nova duquesa, fantoche de Salerno.

Espiões compareciam com frequência à tenda do imperador. Garrulus não lhes deu crédito de início, mas alguns relatos passaram a chamar a sua atenção. Eram as descrições do palácio e dos prazeres do sitiado, o abominável conde Antonius. Existia ali naquele castelo uma forma absolutamente inusitada de cristianismo. Um cristianismo que repudiava os ensinamentos do Apóstolo Paulo para os romanos e se entregava, com a consciência limpa, às dissoluções humanas, tornadas aceitáveis por conta da Graça.

Antonius Modius, conde de Tarvisium, ostentava, com muito orgulho, todos os 7 pecados capitais. Sua ilustre família governava todas as redondezas há mais de 200 anos e reagiu ferozmente à intervenção de Bacchulus. O conde fez menor caso disso, no entanto. Enquanto o comandante da guarnição se desesperava tapando brechas e reforçando torres, ele se divertia com as camponesas refugiadas na fortaleza.

Mais tarde, conforme se popularizou, a seita recebeu o nome pejorativo de “antinomianismo”, embora, durante bom tempo, seus membros nunca se tenham atribuído qualquer nome. Eventualmente, os discípulos de Antonius passaram a se intitular de “tarvisanistas”, em referência à origem do culto.

Ao fim do cerco, Bacchulus decidiu poupar o palácio da pilhagem e oferecer um salvo-conduto ao conde. As histórias haviam arrancado riso o bastante do imperador para que seu coração se amolecesse. Bacchulus, em verdade, estivera irritado com a lentidão do conflito. Num cerco anterior, ordenara mesmo a execução de vários familiares do senhor feudal, incluindo crianças.

Uma observação: esse comportamento não era incomum. Festus e Gallus também executavam em massa os inimigos de Estado, e com muito mais frequência.

Garrulus demonstrou, igualmente, piedade pelos sitiados, mas por razões menos banais. Procurou os teólogos do conde Antonius e se deslumbrou com a possibilidade de uma fé cristã que acobertasse seus vícios.

Em 737 AD., Garrulus foi coroado. Durante os dois primeiros anos, nenhuma surpresa. O imperador dá banquetes vastos e distribui recursos do tesouro com liberalidade; os súditos estão entretidos com o donativum. No terceiro ano de reinado, todavia, Garrulus está diferente. Toma uma decisão política inédita, mas não ingênua. Concede independência à poderosa república de Flamínia, erigida nos tempos de Romanus quando este se mudou para Salerno para assumir o trono e deixou aquelas terras para seus numerosos credores.

À custa de menor arrecadação tributária, Garrulus removeu do Império a única força capaz de frear seu absolutismo. Os demais vassalos, fracos e inofensivos, nada poderiam objetar aos excessos do imperador. Essa estratégia havia se passado pela cabeça de Gargula décadas antes, mas este não tivera ousadia suficiente para abandonar os territórios.

Desse episódio concluímos que, diferentemente do que querem alguns historiadores, Garrulus estava em perfeita lucidez quando foi entronado. Sua posterior fase de loucura tratou-se, na verdade, de uma consequência psicológica da concentração do poder. A possibilidade de decidir sobre a vida e a morte de qualquer um no Império, sem exceções, venceu as barreiras de sua sensatez.

A partir daí, até que se completassem os 13 anos de reinado de Garrulus, a estrela rubra da destruição pairou sobre Roma. A Igreja Ariana foi dissolvida e o império se converteu oficialmente à doutrina de Tarvisium. Como cumprimento do espírito de libertinagem central a essa doutrina, o posto de Patriarca Supremo do Império foi abolido.

Os registros históricos atestam o massacre de dezenas na caçada religiosa que marcou os primeiros anos ditatoriais de Garrulus. Todos contrários à devassidão do imperador, católicos e arianos indistintamente, foram mortos, um a um –e aqui não falo de súditos comuns, mas da nobreza que povoava a corte.

Verdade é que, considerando a eminência dos executados, Garrulus não se destacou tanto quanto Annius Marcellinus, o tirano que enviou para o suplício feudatários poderosos, como se mendigos fossem. Todavia, em termos numéricos e causais, não há páreo para Garrulus.

Annius, tomado por ódio, executou alguns inimigos políticos. Garrulus, dado a explosões de arbitrariedade, executou inúmeros súditos, a maioria deles inconscientes da possibilidade de execução até poucos momentos antes dela.

A arbitrariedade do imperador domício trouxe-lhe muito mais destaque que sua crueldade. A bem da verdade, as penalidades impostas por Garrulus não eram temidas pelo requinte sádico (como o eram as de seu avô-poeta), mas por serem abruptas.

Isso explica porque, quando finalmente só restavam na corte tarvisanistas, as mortes não pararam. Se não podia mais matar por motivos religiosos, Garrulus agora matava por qualquer futilidade.

Esse temperamento imprevisível correspondia, inicialmente, a uma diversão intencional do imperador. Seu grande deleite era dar ordens contraditórias aos cortesãos, surpreendendo-os em seguida com acusações furiosas. Com o tempo, entretanto, esse tipo de comportamento se tornou involuntário e o imperador se naturalizou como um lunático sanguinário e insensato.

Garrulus teve três esposas e várias concubinas.

A primeira esposa era uma grega, tetraneta de Marcus Canutius e tia do influente rei da Trácia. Bacchulus arranjara o noivado entre seu filho e a jovem Helene com o intuito de tentar uma aliança no Oriente e de ligar seus descendentes ao sangue de Italicus.

Em virtude do zelo católico da imperatriz, que instava inclusive pelo retorno do papa ao poder, o matrimônio foi dissolvido. Garrulus se divorciou de Helena sem qualquer aval religioso, senão o seu próprio.

Paulina, a segunda esposa, era uma morena da pequena nobreza grega, colhida a dedo na corte. Garrulus com ela teve um filho: Callirrubris. Algum tempo depois, o imperador se divorciou novamente, agora em virtude da baixa aceitação da mulher, ariana, ao “compartilhamento” do leito imperial. Paulina foi rebaixada a concubina e humilhada em diversas ocasiões pelo imperador. Não surpreendentemente, tomou parte numa das centenas de conspirações contra a vida de Garrulus. Descoberta, foi lançada numa cisterna vazia, onde permaneceu até sucumbir à inanição.

A terceira esposa, Octavia, foi outra paixão volúvel do imperador. Antes concubina, agora exaltada, fez bom uso das prerrogativas lhe outorgadas. Através do aparato estatal, extirpou adversários pessoais e donzelas que, pela estonteante beleza, pudessem atrair o imperador. Em virtude de uma doença contagiosa, Octavia se afastou para a Sardenha por vários meses. Recobrando-se parcialmente, voltou à capital, mas não sem várias sequelas físicas e abcessos. Garrulus ficou enojado e ordenou seu afogamento nas praias de Salerno.

No mesmo ano, o imperador ainda cometeu outra atrocidade. Sua última vítima foi Gaia, a concubina mais jovem de Garrulus. Grávida, ela foi posta em maus panos por falsos boatos de infidelidade. Não crendo que o feto fosse seu, o imperador ordenou que os 28 soldados de sua guarda violentassem a senhorinha e, posteriormente, pisoteassem-na com cavalos até a morte.

O assassinato brutal de Gaia, muito querida na corte, foi decisivo. Os conselheiros do Imperador finalmente entraram em consenso sobre como proceder a uma conspiração eficaz. O grande receio, até então, era que eles, os conspiradores, se porventura bem sucedidos, fossem punidos por quem assumisse o comando em seguida. Não existindo mais opiniões dissidentes, esse receio desapareceu.

Já um quarentenário, Garrulus decidiu convocar um grande espetáculo para o Circo Máximo, em Roma. A título de informação, os jogos e a estrutura do estádio haviam sido restaurados nos tempos de Florianus Agricolus. Paralisados no reinado de Gargula, graças a seu fervor religioso, os eventos foram ativamente reacendidos por Bacchulus.

Após um embate de quadrigas, Garrulus se levantou de sua cadeira curul púrpura, de onde assistia a tudo, e desceu as escadas internas, a fim de experimentar um prato exótico. A pesada porta do corredor se lhe abriu.

O corredor dava para a antecâmara imperial, onde convidados importantes eram recebidos. Garrulus, imprudentemente, avançou sozinho. A porta se fechou. Das profundezas do corredor, os assassinos surgiram. O imperador, no entanto, se riu da incompetência dos conspiradores. O verdadeiro Garrulus estava do lado de fora, no alto da escada, observando a trupe eufórica em volta da porta.

Novamente, os súditos de Salerno mostravam pouca originalidade. Tentaram capturar Garrulus, que fora criado num ambiente de profícua disseminação da cultura clássica, com uma história de Suetônio –o assassinato de Calígula. No lugar de Garrulus, foi morto um infeliz retirado das masmorras, com altura e barba semelhantes, trajado com as túnicas imperiais. Garrulus ouvira falar da conspiração uma semana antes, através de um delator, o qual percebera que, denunciando a conspiração, teria recompensa maior que participando dela.

O delator não fora capaz de fornecer detalhes sobre lugar e momento, mas Garrulus decidiu criar, ele próprio, a oportunidade para os conspiradores. O espetáculo foi organizado e a trama do imperador teve êxito. Todos os conjurados acabaram no calabouço, à espera da sanção de Garrulus, que foi convencido pelo delator a saborear o sono e deixar a vingança para o dia seguinte.

A Fortuna já contara os dias do imperador, no entanto, e eles, de uma forma ou de outra, acabavam ali.

Paulinus, o comandante da legião Italica, delatara a conjuração não por fidelidade aos Domícios, mas por egoísmo. Queria os louros da morte do tirano para si, em vez de partilhá-los com muitos.

Enquanto dormia em seu deslumbrante leito, Garrulus foi surpreendido por um ruído dramático. Sua concubina germânica saiu precipitadamente do quarto e derrubou um vaso. O imperador foi verificar. A porta estava trancada. Tentou abrir a janela de álamo, mas estava emperrada.

A fim de forçar a porta, Garrulus foi buscar uma machadinha no baú embaixo da cama. Surpreendido por víboras, recuou. Outras serpentes escorregavam por baixo da porta. Garrulus lembrou-se do escorpião que matara seu pai e foi tomado por indescritível angústia. Jogou-se contra a porta e contra a janela repetidamente, sempre se esquivando das bestas. Finalmente, lembrou-se do punhal que ficava debaixo da almofada púrpura onde se depositava a coroa, numa das gavetas do criado-mudo.

Uma víbora listrada já dançava atrás do móvel e picou o antebraço do imperador, que não desistiu do movimento. Durante aqueles infinitos minutos da noite, vários duelos se travaram no quarto de Garrulus, até que ele finalmente cedesse. Os gritos por socorro, abafados pelo mármore das paredes, não foram atendidos.

Garrulus morreu aos 43 anos de idade e foi sucedido por seu primogênito, Callirrubris, ainda menor. Paulinus assumiu a regência e libertou os outros conspiradores. Saudado como herói pelo povo e pela corte, o soldado passeou por Salerno em triunfo.


Observações:

-Os Décios da Hispânia têm travado numerosas guerras contra seus principais rivais, os Sempronius da Gália. Recentemente os hispânicos deram um importante passo a frente: todo o reino da Gália Meridional foi conquistado.

-Os Zítidas de Tripolitânia iniciaram uma ameaçadora expansão na Sicília. O governador enviou emissários pedindo ajuda a Garrulus, mas o imperador não se importou nem mesmo em responder. Se o poderio africano prosperar, é possível que, no futuro, Salerno amargue essa negligência…[/align][/size][/font]

Que bom que se encorajou a fazer essa AAR.

Quantas histórias! Tava torcendo para que Rullus se vingar-se de todos.

Que império tão… tranquilo… :hihi :hehe :hehe :hehe
George RR Martin ficaria orgulhos 8)

O Rullus traz um apelo curioso. Menosprezado, traído e explorado, foi escolhido para triunfar. Até aí, nada de inédito -é o conto do underdog. O problema é que, diferentemente do herói tradicional, Rullus tem poucos méritos, gosta das diversões mundanas, se dá bem graças a fatores externos e é até mesmo pernicioso, tal qual os irmãos! Imagino que seja a tragédia o que amolece nosso coração, e não o esforço do personagem. Contanto que a desforra venha ao final, pouco importa a conduta.

Quem quer paz e harmonia vá assistir à peppa, aqui é ferro e fogo! :pirata

ATUALIZAÇÃO:

Inseri no post introdutório informações sobre os 5 primeiros imperadores, dos quais o capítulo I trata superficialmente. Pretendo fazer descrições sobre os demais imperadores e também sobre algumas dinastias, sempre privilegiando dados cronológicos/genealógicos a que não é dada atenção na narrativa normal e alguns eventos omitidos. Aquilo que já é mencionado nos capítulos evito repetir.

Ficou bom, thx :slight_smile: