Corridas de charretes no imperio romano

Ao estudar o Império Romano, muitas coisas parecem ter sido passadas para nós sem grandes alterações. Instituições, língua, costumes; um deles é a paixão por corrida. Hoje temos corridas de cavalos e automobilismo, e o romanos, a corrida de charretes, ou bigas.

  1. Origem

Há indícios que na origem da civilização, talvez antes da invenção da roda ( a escrita e a domesticação do cavalo são datados de aproximadamente 3500 a.C ) aristocratas (supondo que apenas chefes poderiam sustentar essa atividade) poderiam apostar curtas corridas sobre pranchas rebocadas, e depois sobre charretes.
Sabe-se que os egípcios sob Tutmosis III (1500 a.C.) organizavam esquadrões de 25 charretes de guerra. Os hititas usavam batalhões, cada charrete tripulada por um condutor e um ou dois soldados armados de lanças. Cavalos eram criados e selecionados, guerreiros de elite eram treinados, e o resultado eram uma forma de guerra que era um grande desafio para um inimigo sem suas proprias charretes. Reis se orgulhavam da quantidade de charretes que podiam colocar em campo, que viam como prova de seu poder, incluindo aí os reis gregos da era micênica…Um rei de Knossos, em Creta, dizia ter mais de 400 charretes, e um rei menos de Pylos, do peloponeso, dizia ter uma centena.
Em 1100 a.C. houve uma mudança súbita; invasões do norte destruíram os povos que utilizavam charretes, e a civilização micenica desapareceu, assim como os hititas. As charretes perderam seu significado bélico e viraram meio de transporte rápido e exclusivo de membros da elite.
A Ilíada de Homero menciona corridas de charretes entre os nobres, com pedras brancas marcando o percurso e prêmios como potes, mulas e vacas, escravas, valosas barras de ferro; a corrida é vencida por Diomedes de Argos.
Na época de Homero, se organizaram na Grecia as cidades-estado, que celebravam festivais para expressar seu senso de identidade; Olimpia, Delfos, Corinto, Neméia e outras criaram os grandes jogos estefaniticos (que tinha esse nome porque apenas oferecia como premio o Stephanos, uma coroa de ervas e flores)

https://leonmauldin.blog/tag/stephanos/

Desses jogos, os mais famosos eram os olímpicos, realizados em Elis, um distrito de Olimpia, nas confluencia dos rios Cladeus e Alfeus. De acordo com Pausanias, as corridas de charretes foram incluidos nos jogos olimpicos em 680 a.C., nas modalidades de biga (dois cavalos) e quadriga (quatro cavalos). Pelo que se sabe dessas charretes, de acordo com pinturas em vasos, é que elas eram pequenas e leves, com uma guarda que batia nos joelhos e um piso feito de tiras de couro entrelaçadas, e rodas de madeira com proteções de metal.

https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Quadriga_in_ancient_Greek_pottery

Não foram encontrados hipódromos no local, provavelmente o campo de competição era preparado especialmente para a competição, sem arquibancadas nem outras amenidades, e devia ter 600 m de comprimento e 200 m de largura, com os postes marcadores de percurso ficando a 390 m de distancia entre si (duas estádias de distancia). Sabemos que entre os vencedores orgulhosos estavam os tiranos Myron e Cleisthenes de Sicyon, Hiero de Siracusa, e Empedocles de Acragas.

(continua quando der, planejo 24 artigos para cobrir 12 capítulos)

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Interessante essa ideia de artigos…

Agora consideração sobre corrida. Gostamos até de correr a pé, pois velocidade nos injeta adrenalina e dá uma sensação de prazer.

E as corridas eram tão importantes que cada região tinha o estádio como, geralmente, a maior medida métrica.

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Parte 2

A partir do século VI a.C. o número de participantes começou a aumentar, e há evidência que nos jogos píticos de Delfos em 462 a.C. haviam 41 charretes alinhadas na partida, e supõe-se que os números eram grandes em Olímpia também. Com tantos participantes, mesmo sendo uma exceção, ou ainda com metade deste número, deveria ser impossível manter a mesma chance para todos os competidores, com os mais externos já partindo com considerável desvantagem. Os organizadores solucionaram o problema, mantendo uma partida igualitária e evitando colisões nas centenas de metros iniciais, com a criação de portões de partida, com compartimentos para cada charrete. Em Olímpia, os portões eram organizados de forma a que os mais centrais eram colocados mais à frente; quando uma águia de bronze sobre um altar abria suas asas (ou se levantava), e um delfim sobre um poste começava a baixar, através de um mecanismo, era o sinal para que as cordas dos portões mais afastados fossem soltas antes, liberando as charretes mais distantes primeiro. Provavelmente não havia divisão entre as faixas de ida e volta, mas era necessário passar o poste distante em sentido anti-horário; provavelmente havia juízes suficientes para observar as charretes cumprindo as regras.
certamente a partida era furiosa, com os condutores, ou “aurigas” sabendo que um desequilíbrio significaria o fim de sua corrida, que deveria durar doze voltas, com velocidade e habilidade nas curvas elegendo o líder. A expectativa crescia com a trombeta anunciando a última volta. Finalmente a quadriga vencedora cruzava a linha de chegada sob aplauso trovejante do público, e temos um novo campeão olímpico (ou de delfico etc). Eventualmente acontecia um desastre, provavelmente algo bastante comum, com colisões cobrando a vida de competidores, para o horror dos espectadores, mas que continuavam assistindo mesmo assim. Era um evento popular, mas não o mais popular dos jogos; os boxeadores, como o pankration, e os corredores, eram os campeões mais populares e famosos dos jogos, talvez por causa da distância que os espectadores mantinham, talvez porque os competidores pertencessem a uma casta da sociedade capaz de manter cavalos e equipamentos. Apenas em Roma e Constantinopla os charreteiros obtiveram a popularidade e o status de heróis.

Etruria
No século VIII a.C. os esportes equestres chegaram á toscana italiana, certamente por influência dos colonizadores gregos do sul, e afrescos em ruínas etruscas mostram corridas de charretes datando do século VI a.C.; na Tomba della Olimpiadi, em Tarquinia, datada de 530-520 a.C. vemos uma corrida de bigae, com quatro participantes correndo em direção a um poste; sua corrida é intensa, com o quarto participante não terminando a corrida, com um dos seus cavalos pintado de cabeça para baixo.

http://www.cerveteri.beniculturali.it/index.php?it/205/le-tombe-dipinte

Há relatos de corridas em Veios e Chiusi, mas as corridas etruscas eram realizadas ao ar livre ou em circuitos bastante improvisados.

Roma
De acordo com Livius, no livro 1 de sua História de Roma, foi Romulus, fundador e primeiro rei de Roma, que introduziu as corridas de cavalo logo após a fundação da cidade, no longo vale aonde o pequeno rio Murcia passava entre as colinas do Aventino e Palatino. Em pouco tempo organizou pessoalmente também corridas de charrete, fechando o vale e trazendo corredores para o local. Estas corridas constam justamente do programa dos jogos no qual ele chamou a tribo vizinha, os Sabinos, junto com suas filhas, para participar, no que acabou desaguando no Rapto das Sabinas; como os romanos estavam algo carentes de mulheres, sequestraram as filhas dos vizinhos durante a festividade; quase começou uma guerra entre latinos e sabinos, mas estes acabaram fazendo as pazes. Isso pelos menos sugere que as corridas eram bastante populares entre romanos e seus vizinhos.

Em 600 a.C., Tarquinio Prisco, o quinto rei de Roma, tendo obtido sucesso em guerras e obtendo grandes riquezas atraves de butim, decidiu que deveria ser celebrados jogos anuais, e iniciou a construção de um circuito permamente, o que viria a ser o Circus Maximus. A versão de Tarquinio do circuito tinha arquibancadas de pedra 4 metros acima do solo, com assentos individuais para senadores e cavaleiros (equites), aonde seria possível assistir a provas de atletismo, lutas, corridas de cavalo e charretes. Isto marca um avanço em relação aos Etruscos, com a criação de um circuito permanente com arquibancadas que não seria desmontado periodicamente.
A partir daí suas instalações passaram a ser utilizadas para colaborar na celebração dos grandes festivais, como a Consualia, em honra a Consus, deus dos cavalos, fontes e mar, depois associado a Netuno, em duas datas, 21 de agosto e 15 de dezembro. posteriormente um segundo festival foi acrescentado, a Equirria, em honra a Marte, realizado todo ano, também em duas datas, 27 de fevereiro e 14 de março. Pelo fim da era dos reis, em 509 a.C., a corrida de charretes já era o evento principal dos festivais.
Nos séculos da república, a popularidade da corrida de charretes continuou a aumentar; as corridas de cavalos ainda constavam do programa, mas passaram a ser apenas um acompanhamento, com acrobatas pulando entre ou sobre os cavalos.
No século IV a.C., foram criados os Ludi, no qual festivais foram expandidos e duravam vários dias seguidos. Os Ludi eram financiados pelo Estado e honrando divindades específicas. O mais antigo era o Ludi Romani, em honra à triade Júpiter, Juno e Minerva, para a celebração do aniversário da fundação o tempo de Jupiter Optimus Maximos no capitólio, em 13 de setembro. Inicialmente os ludi Romani duravam cinco dias, até atingirem 14 dias, entre 5 e 19 de setembro, com duas partes permanentes: peças de teatro e corridas de charrete. Mais dias eram dedicados às peças porque as corridas eram muito mais caras e dificeis de organizar.
Os Ludi Plebei em honra a Jupiter foram criados durante a Segunda Guerra Punica em 216 a.C., realizados entre 4 e 17 de novembro, com tres dias reservados à corrida de charretes.
Os Ludi Apollinares em honra a Apollo foram criados oito anos depois em 208 a.C., entre 6 e 13 de julho, com dois dias de corrida de charretes.
Em 191 a.C. foram criados os Ludi Megalenses, de 4 a 10 de abril, em honra a Cybele, a grande mãe da Frigia, com um dia de corrida de charretes no seu encerramento.
De 12 a 19 de abril havia os Ludi Cereales, em honra a Ceres, deusa da fertilidade, de novo encerrado com um dia de corrida de charretes.
Finalmente, entre 27 de abril e 3 de maio, os Ludi Florales, em horna a Flora, também com corrida de charretes.no seu final.

O aumento do número dos dias de jogos estava associado ao crescimento da própria Roma, que a partir dos seculos V e IV séculos, crescia rapidamente e estava se transformando em uma metrópole, atraindo visitantes e novos habitantes… Em 218 a.C., no início da Segunda Guerra Púnica, deveria ter uma população de 125 mil habitantes, chegando a 300 mil habitantes em 133 a.C., no tempo de Tibério Graco. as corridas eram conhecidas e populares fora de Roma, sendo procuradas como um entretenimento pelos recem chegados, e as autoridades captaram este interesse expandindo as arquibancadas. Os competidores deixaram de ser exclusivamente aristocratas, como filhos de senadores e cavaleiros, e passaram a ser condutores especialmente treinados, de origem comum, com o qual o povo poderia se identificar, e passou a se sentir participante do espetáculo. Obviamente a distinção entre classes sociais persistia, com os assentos mais próximos sendo reservados aos senadores e cavaleiros, e as arquibancadas mais altas e distantes permitidas ao povo comum.
Nesta época os gladiadores estavam apenas surgindo como acessório a celebridades funebres.

No último século da República, foram criados dois novos jogos, em honra não a deuses antigos, mas a realizações de governantes, em uma certa quebra de tradição.
Temos então os Ludi Victoriae Sullanae, estabelecido por Sila em 82 a.C., para celebrar sua vitória sobre os Italianos na Guerra Social. nominalmente honrava a deusa Victória, mas o objetivo era realmente lembrar de Sila, “restaurador da republica Romana” e “protetor e benfeitor do povo romano” através de seu cargo de Dictator. Era realizado de 26 de outubro a 1 de novembro, encerrado com corrida de charretes.

César seguiu o exemplo de Sila criando os Ludi Victoriae Caesaris, de 20 a 30 de julho (creio que o nome do mês já havia mudado de Quinctilis para Julius). De dez dias, nos três ultimos eram realizadas corridas de charretes.

As decisões dos dois ditadores, de criar jogos em sua própria honra, tiveram consequencias importantes, tirando o festivais esportivos de seu contexto religioso tradicional, estimulando outros a fazerem o mesmo. Foi o que criou as bases para os jogos de circo da era imperial.

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A propósito, a bibliografia principal é “Chariot Racing in the Roman Empire”, de Fik Meijer; boa obra.

Terminei a parte 1, provavelmente a próxima parte vai demorar bastante tempo.

Parte 2 - Circo Maximo
Parte 3 - Preparação e organização
Parte 4 - Um dia no Circo Maximo
Parte 5 - Os heróis da arena
Parte 6 - Os espectadores
Parte 7 - As mudanças no percurso
Parte 8 - Heróis do hipódromo
Parte 9 - A revolta de Nika e seus 30 mil mortos
Parte 10 - O desaparecimento das corridas
Parte 11 - Ben-Hur e as corridas nos filmes

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Mto interessante, esse é um tema pouco comentado historicamente, parabéns!

(OFF: Quem mais lembrou direto o jogo Centurion? :sweat_smile: )

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Esse eu não conheço, mas recomendo demais o Qvadriga

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“Centurion , Defender of Rome”
https://www.old-games.com/download/217/centurion-defender-of-rome
http://www.abandonia.com/pt/games/11329/Centurion+-+Defender+of+Rome.html

Ótimo jogo para o seu tempo (1990). Nunca terminei uma corrida no entanto.

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Capítulo 2, “Circus Maximus” parte 1,

Em 27 a.C. Roma deixou de ser uma república aristocrática para se tornar uma monarquia absolutista, sob uma dinastia fundada pelo Imperador Augustus. Ele e seus sucessores deveriam sempre provar aos súditos que seu bem-estar estaria garantido por eles. por todo o império eram realizados festivais, com gladiadores, peças e corridas. As corridas de charretes se provaram imensamente populares no império, e os governantes locais se esforçavam para promover suas próprias corridas; de Cesareia na Judéia a Santiago do Cacém, na Lusitania, condutores e cavalos se concentravam em circos especialmente construídos.
Mas o maior de todos os circos era o Circus Maximus, vasto e impressionante, localizado no centro de Roma, perto do Forum Romanum e vizinho à Colina Palatina.
Em seu começo, não era chamado de Maximus, mas apenas de Circus, afinal era o único existente, e era feito apenas de um campo aberto com dois postes, que marcavam o percurso. Já no século II a.C., se tornou assunto de lendas, com um circuito fabuloso, e vastas arquibancadas capazes de abrigar 150 mil espectadores. Atualmente, o Circus meio que voltou a suas origens, e não passa de um gramado, com apenas os restos de um pequeno trecho de muro perto da Piazza di Porta Capena, à vista das ruínas do Palacio de Domiciano. O resto se foi, presa das forças da natureza, de terremotos devastadores, e provavelmente mais ainda devido a roubo de suas pedras para construção, por séculos. Desde a metade da Idade Média até o séc. XIX, as arquibancadas de pedra e a muralha que separava o circuito foi demolida, e agora há o gramado circundada pelas colinas de Roma; mas é um vasto gramado, e mesmo este vazio impressiona.

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Pouco se sabe sobre os primórdios do Circus, apenas trechos de lendas nas quais se diz que Romulus organizou corridas no local, que Tarquinius Priscus nivelou o terreno, que Tarquinius Superbus expandiu as acomodações para arquibancadas permanentes.
A infraesrutura do Circus era aprimorada continuadamente a partir do sec V a.C. em diante, conforme a popularidade das corridas se firmava. Em 494 a.C. o Dictator, Marcus Valerius Maximus construiu um trecho de plataforma especialmente para altos magistrados, separando-os do resto do povo. Em 328 a.C. forma construidos “carceres”, ou portões de largada, provavelmente de madeira. Os magistrados deveriam ter a certeza de haver um procedimento de largada mais profissional e justo; provavelmente devia ser usada uma corda com as charretes alinhadas atras antes disso. O número de participantes crescia, e talvez com isso o número de falsas largadas. Ruas de acesso o Circus passaram a ser alargadas e pavimentadas, para facilitar o acesso do povo. No séc 196 a. C. Gaius Stertinus construiu um arco triunfal na muralha externa, com estátuas no topo, e os postes que marcavam as voltas (os Metae) foram tornados permanentes; foi inventado um sistema que baixava ovos de pedra para indicar o numero de voltas completadas. Ajustamentos foram feitos para proteger os assentos mais baixos da poeira do circuito (e da aproximaçao perigosa das proprias charretes), com um perímetro de muros, em 186 a.C., por Fulvius Nobilior.

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Julio Cesar alongou o Circus em seu comprimento em ambos os lados, e criou uma fossa para separar mais o circuito das arquibancadas. Algumas das modificações de Cesar foram destruidas pelo fogo de 31 a.C., mas Augustus reconstruiu o que foi perdido e acrescentou mais alguns avanços. Arquibancadas foram acrescentadas em uma das curvas ( no lado oposto ao da largada). Os assentos baixos foram reservados para senadores e altos magistrados, e construidos em pedra, enquanto as arquibancadas superiores continuavam a ser erguidas em madeira.
Com um novo incendio, o imperador Claudius fez com que os portões de saída fossem reconstruidos em pedra, e construiu postes de chegada. Depois do terrivel incendio de 64 AD, que danificou o Circus Maximus severamente, o imperador Nero o reconstruiu a toda velocidade.
(continua)

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Sob Domiciano (81-96 d.C), a edificação foi parcialmente destruída, iniciando restaurações que foram terminadas por Trajano, que ao invés de retornar simplesmente o Circus ao seu estado anterior, reformou-o a ponto de ser considerado o maior e mais belo monumento de Roma, comentado por Plinio o Jovem: “a imensurável fachada do Circus Maximus rivaliza com os mais belos templos” ; “tão digno de ser contemplado por si próprio quanto às competições ali realizadas”.

Agora o Circus Maximus passava a ser uma massiva construção, com seus primeiros três níveis feitos de pedra. Imperadores posteriores trariam suas alterações, mas nenhuma que o modificasse significativamente. Antoninus Pius reparou um pilar desabado, que teria causado a morte a 1.121 expectadores. Caracalla alargou as baias e os portoes de partida. Diocleciano teve de realizar reformas depois de um desabamento que trouxe a morte a outros 13 mil expectadores, realizadas o mais rápido possíivel, para acalmar o povo em uma época de perturbações. Constantino acrescentou decorações extras para a Spina central do Circus. Constantino II acrescentou um obelisco a esta Spina em 357 d.C.
Quando as competições de gladiadores foram proibidas pelos imperadores cristãos, as corridas passaram pelos seu ultimo “revival”, no começo do seculo V., e prosseguindo até o Sec. VI, mas com frequencia cada vez menor. A ultima corrida foi realizada em 549 d.C., e depois disso o grande Circus Maximus virou um magnifico monumento de um passado glorioso, e eventualmente, depois de séculos, um campo vazio.

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Fico imaginando quanto disso pode ser atribuído à adoção do cristianismo… pq é estranho imaginar que simplesmente tenham “enjoado” das corridas…

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(ainda parte 2)
Sob Trajano (98-117 d.C), o Circus Maximus atingiu suas maiores dimensões. Os outros grandes monumentos de Roma eram o Teatro de Marcellus, maior teatro da cidade, com capacidade para 25 mil espectadores; o Circo de Domitianus, cujo trajeto da pista atlética, de mais de 200 m de comprimento, ainda pode ser visto na Piazza Navona, podia abrigar 20 mil apenas; ambos diminuídos perante o grande Circus Maximus; o restante, o Anfiteatro Flaviano (ou Colosseum), podia abrigar 50 mil, sendo maior que estes dois juntos. Para alguém andando em torno do impressionante Coliseu, parece difícil compreender que o Circus Maximus tinha o triplo de seu comprimento maior. Realmente, o Coliseu tinha a cricunferencia de 527m, na forma de uma elipse de eixos 188x156 m; sua arena tinha 80x54m, mais de 4 mil m2 de área ( contra 7 mil m2 de um campo de futebol moderno ) e uma fachada com 52 m de altura, explicando porque tantos turistas o visitam e porque era considerado um exemplo da arquitetura romana antiga.

Ao mesmo tempo, as proporções do Circus Maximus eram de outra grandeza. Não restou o suficiente desta edificação para permitir uma medição exata; temos apenas as descrições de autores da antiguidade, assim como pistas antigas que sobreviveram ate os nossos dias. De acordo com Dionísio de Halicarnasso, tinha 3,5 “stadia” de comprimento (cerca de 620 a 660 m) e quatro “plethra” de largura (algo em torno de 120 m). o comprimento das arquibancadas nos lados longos mais o lado curto totalizavam algo em trono de 1.400-1.500 m, o que sugere espaço para 150 mil espectadores, que teriam espaço para sentar de 40cm de largura e 50cm de profundidade, com um encosto de 33 cm de altura… Medições modernas sugerem que as dimensões totais ficavam em 620x140 m. Em suas descrições, Plinio o velho mencionava 250 mil espectadores, e textos posteriores inflavam estes valores para 385 mil ou 485 mil.

A maneira com a qual os assentos eram alocados refletia a hierarquia da sociedade romana. Os senadores e cavaleiros (equites) recebiam os melhores assentos, nas fileiras de baixo e à frente. Eram estritamente separados daqueles mais atrás e acima, com entradas fornecidas barato ou gratuitamente pelo imperador ou senadores ricos, dos quais eram clientes. Ao contrário do Coliseu, homens e mulheres sentavam juntos. O poeta Ovídio comemorava este fato em seus escritos, dizendo que não era necessário fazer sinais secretos com os dedos, ou mandar mensagens clandestinas por mensageiros, mas apenas sentar ao lado dela, pois você encostava em seu vizinho caso quisesse ou não; a conversa era fácil; era sua obrigação limpar a areia da roupa de sua dama, mesmo que não houvesse alguma; sempre trazer e ajustar almofada e leque; e ficar de olho nos outros vizinhos, dos lados e de trás.

Para alguém visitando o Circus Maximus pela primeira vez, deveria ser uma impressão espantosa. Arquibancadas infindáveis, de um lado e de outro, a pista de corrida com a spina central decorada e cheia de detalhes, os portões de saída das charretes; lembrando a este o quão pequeno ele é comparado a este ambiente compartilhado por milhares de pessoas ruidosas, que juntas tinham uma população maior que muitas cidades do mundo romano.

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E a hierarquia social se tornaria clara rapidamente. Do lado do Palatino e perto da linha de chegada, estava o Pulvinar. Nos tempos da República, era uma simples plataforma reservada para os magistrados. Augusto o reconstruiu em um pequeno santuário, no qual o imperador e sua família tinham uma boa vista da pista enquanto repousavam em seus assentos ou divãs. Ao sentar ali, o imperador reforçava seu status superior. Imperadores que falhassem em levar este costume a sério e se ausentassem frequentemente, tinham essa ausência contada contra eles. Domiciano, que tinha o hábito de assistir a corridas de seu palácio, no alto do Palatino, descobriu que sua ausência era considerada um ato de arrogância e desprezo, e manifestava claramente sua insatisfação com assobios e vaias. De outro modo, se um imperador agisse de maneira mais “democrática”, como Trajano, e deixasse seu camarote e se sentasse junto ao povo, este o apreciava grandemente. Diretamente opostos ao pulvinar, estavam os assentos reservados aos gerentes, juízes e patrocinadores da corrida.

A pista de corrida tinha entre 550 e 580 metros de comprimento, e uma largura de 80m, o que dava uma área de 44 mil m2 de superfície, 12 vezes a área da arena do Coliseu. O chão era coberto por areia finamente granulada, de alta qualidade, para facilitar seu espalhamento. Devia absorver a água rapidamente em caso de chuva, e não produzir muita poeira em tempo seco. Provavelmente podia ser trocada rapidamente, e marcada com linhas de pedra moída, cal ou gesso a cada corrida, para orientar as charretes no início da corrida e impedir que, no trajeto de 160 metros desde os portões de partida até o primeiro posta da spina, alguma charrete pudesse cortar caminho. Os condutores só podiam escolher seu trajeto a partir desse primeiro poste.

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É aí que entram as circunstâncias. As corridas eram bem organizadas, complexas e caras.
No Sec. IV, Constantino mudou a capital de Roma para Bizâncio - Constantinopla, levando uma porção considerável de senadores e membros da elite. No seculo seguinte, Roma foi saqueada, seu suprimento de comida foi cortado. Nos seculos seguintes, aquedutos foram demolidos por exércitos que a cercavam; e nesse ponto sua população já havia diminuído e empobrecido a ponto de não manter mais sua infraestrutura sofisticada.

Cidade abandonada

A população romana caiu de 1 milhão para 50 mil, talvez a 20 mil na metade da idade média.

Vale lembrar que enquanto as corridas desapareciam em Roma, floresciam em Constantinopla.

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Ah sim, claro, tem todas essas questões também… bom lembrar todo o contexto da época :sweat_smile:

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Cara, não tinha essa noção que Roma deixou de ter o tamanho de uma Porto Alegre para virar metade da minha cidade!!!

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Foi um processo rápido mas não súbito. Por exemplo, como estava POA há cem anos atrás? Estava vendo os dados demográficos, POA tinha 44 mil hab em 1872.
Mas é verdade que o encolhimento de uma metrópole é mais dramático que seu surgimento.

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Os portões de largada, ou carceres, eram engenhosos. Excavações no circo mais bem preservado, em Leptis Magna na Líbia, deixa claro que os romanos se preocupavam bastante em assegurar que os procedimentos de largada fossem os mais justos possiveis. Geralmente 12 quadrigas iniciavam a corrida, e suas cocheiras estavam alinhadas com precisão, espaçados e cobrindo a largura da pista, curvados em direção ao centro. A arena tinha dois grandes portões. Pelo portão ocidental as charretes chegam ao Circus para ocupar suas cocheiras antes dos portões de largada, os quais eram alocados através de sorteio. Cada cocheira tinha seis metros de largura, e seus portões de largada tinham duas portas, mantidas fechados por cordas enroladas em pinos, em tensão até serem puxadas.

Quando o sinal de largada era dado, os pinos eram puxados por cordas que se conectavam em plataformas acima das cocheiras, e assim todos os protões eram abertos simultaneamente. Um mecanismo de catapulta abria os portões de largada subitamente e com um estampido.

No lado oriental, oposto à largada, estava o Portão Libitinario (Porta Libitina). Era o portão por onde os condutores forçados a deixar a corrida abandonavam a arena, às vezes feridos e carregados em macas. Libitina era uma divindade associada a ritos funerários.

No centro da arena estava a Spina, com 340 m de comprimento. Originalmente era apenas uma barreira de pedra separando as duas retas do trajeto, mas Trajano o transformou em um muro duplo com uma trincheira funda cheia de água, e em suas duas extremidades estavam as Metae, os postes de contorno. Anteriormente eram apenas um tronco de madeira, mas no sec. I foram reconstruídos na forma de três pilares conicos de base firme, claramente reconheciveis pelos condutores e espectadores como os pontos de contorno. Estes cones eram firmemente ancorados, podendo resistir a colisão de uma ou várias charretes. Sua forma de cone, ao encontrar o solo em ângulo suave, facilitava a manobra da curva.

A spina era grandemente decorada. Havia um certo número de enfeites e estátuas, dos quais o mais destacado era o obelisco de Ramses II, trazido de Heliópolis por Augusto em 10 a.C., tinha 24 metros de altura e 3 de largura. Em 1587, quando o Circus foi definitivamente desmontado, o Papa Sisto V o moveu para a Piazza del Popolo, no centro de uma praça oval próxima à fontana del Nettuno. No séc. IV, Constantino II colocou outro obelisco na Spina, do faraó Tutmosis III. Sisto V também moveu este obelisco, colocando-o na praça em frente á Igreja de São João Latrão.

Havia um certo simbolismo nisso tudo. os egípcios consideravam os obeliscos como ligações entre a terra e o deus solar Ra; aos olhos dos romanos, a pista de corrida e seu entorno era um cosmos em miniatura; o obelisco era o Sol, a arena era a Terra, a trincheira (pu piscina) eram os oceanos.

As competições eram realizadas com a presença de quatro escuderia, que representavam as estações do ano, cada uma competindo com 3 charretes, totalizando 12 meses do ano e 12 signos zodiacais; os tres cones das metae eram os decani, os marcadores dos meses nos calendarios (Calendas, Nonas e Idos) e as 24 corridas diárias (nos tempos imperiais), as horas do dia.

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Os símbolos usados para indicar o número de voltas realizadas também tem significado mitologico. Inicialmente marcados por ovos, de madeira ou pedra, baixados um a um, num total de sete, simbolizavam os deuses Castor e Pollux, nascidos de um ovo. os ovos foram depois substituidos por golfinhos, para enfatizar a conexão com Netuno, deus do mar, das fontes de água, e dos cavalos. A cada volta completada, um dos sete golfinhos mergulhava na piscina de água no meio da muralha da Spina.

Na Spina, além dos obeliscos, haviam três colunas, com estátuas das deusas Victória (deusa da vitória que coroa os vencedores, a Nike dos gregos), Cybele, deusa da fertilidade, e a deusa agrária Seia ou Messia. Havia uma segunda estatua de Cybele, sem coluna, mas montando um leão. Vários autores mencionam uma grande palmeira, altares, um pequeno templo, estátuas de outros deuses. os condutores de sucesso, com mil vitórias sob seu nome, podiam esperar ganhar uma estátua miliária em sua honra após sua morte. Para os espectadores, a Spina representava a ligação entre o cosmos e a realidade da pista de corrida.

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