Parte 2
A partir do século VI a.C. o número de participantes começou a aumentar, e há evidência que nos jogos píticos de Delfos em 462 a.C. haviam 41 charretes alinhadas na partida, e supõe-se que os números eram grandes em Olímpia também. Com tantos participantes, mesmo sendo uma exceção, ou ainda com metade deste número, deveria ser impossível manter a mesma chance para todos os competidores, com os mais externos já partindo com considerável desvantagem. Os organizadores solucionaram o problema, mantendo uma partida igualitária e evitando colisões nas centenas de metros iniciais, com a criação de portões de partida, com compartimentos para cada charrete. Em Olímpia, os portões eram organizados de forma a que os mais centrais eram colocados mais à frente; quando uma águia de bronze sobre um altar abria suas asas (ou se levantava), e um delfim sobre um poste começava a baixar, através de um mecanismo, era o sinal para que as cordas dos portões mais afastados fossem soltas antes, liberando as charretes mais distantes primeiro. Provavelmente não havia divisão entre as faixas de ida e volta, mas era necessário passar o poste distante em sentido anti-horário; provavelmente havia juízes suficientes para observar as charretes cumprindo as regras.
certamente a partida era furiosa, com os condutores, ou “aurigas” sabendo que um desequilíbrio significaria o fim de sua corrida, que deveria durar doze voltas, com velocidade e habilidade nas curvas elegendo o líder. A expectativa crescia com a trombeta anunciando a última volta. Finalmente a quadriga vencedora cruzava a linha de chegada sob aplauso trovejante do público, e temos um novo campeão olímpico (ou de delfico etc). Eventualmente acontecia um desastre, provavelmente algo bastante comum, com colisões cobrando a vida de competidores, para o horror dos espectadores, mas que continuavam assistindo mesmo assim. Era um evento popular, mas não o mais popular dos jogos; os boxeadores, como o pankration, e os corredores, eram os campeões mais populares e famosos dos jogos, talvez por causa da distância que os espectadores mantinham, talvez porque os competidores pertencessem a uma casta da sociedade capaz de manter cavalos e equipamentos. Apenas em Roma e Constantinopla os charreteiros obtiveram a popularidade e o status de heróis.
Etruria
No século VIII a.C. os esportes equestres chegaram á toscana italiana, certamente por influência dos colonizadores gregos do sul, e afrescos em ruínas etruscas mostram corridas de charretes datando do século VI a.C.; na Tomba della Olimpiadi, em Tarquinia, datada de 530-520 a.C. vemos uma corrida de bigae, com quatro participantes correndo em direção a um poste; sua corrida é intensa, com o quarto participante não terminando a corrida, com um dos seus cavalos pintado de cabeça para baixo.
http://www.cerveteri.beniculturali.it/index.php?it/205/le-tombe-dipinte
Há relatos de corridas em Veios e Chiusi, mas as corridas etruscas eram realizadas ao ar livre ou em circuitos bastante improvisados.
Roma
De acordo com Livius, no livro 1 de sua História de Roma, foi Romulus, fundador e primeiro rei de Roma, que introduziu as corridas de cavalo logo após a fundação da cidade, no longo vale aonde o pequeno rio Murcia passava entre as colinas do Aventino e Palatino. Em pouco tempo organizou pessoalmente também corridas de charrete, fechando o vale e trazendo corredores para o local. Estas corridas constam justamente do programa dos jogos no qual ele chamou a tribo vizinha, os Sabinos, junto com suas filhas, para participar, no que acabou desaguando no Rapto das Sabinas; como os romanos estavam algo carentes de mulheres, sequestraram as filhas dos vizinhos durante a festividade; quase começou uma guerra entre latinos e sabinos, mas estes acabaram fazendo as pazes. Isso pelos menos sugere que as corridas eram bastante populares entre romanos e seus vizinhos.
Em 600 a.C., Tarquinio Prisco, o quinto rei de Roma, tendo obtido sucesso em guerras e obtendo grandes riquezas atraves de butim, decidiu que deveria ser celebrados jogos anuais, e iniciou a construção de um circuito permamente, o que viria a ser o Circus Maximus. A versão de Tarquinio do circuito tinha arquibancadas de pedra 4 metros acima do solo, com assentos individuais para senadores e cavaleiros (equites), aonde seria possível assistir a provas de atletismo, lutas, corridas de cavalo e charretes. Isto marca um avanço em relação aos Etruscos, com a criação de um circuito permanente com arquibancadas que não seria desmontado periodicamente.
A partir daí suas instalações passaram a ser utilizadas para colaborar na celebração dos grandes festivais, como a Consualia, em honra a Consus, deus dos cavalos, fontes e mar, depois associado a Netuno, em duas datas, 21 de agosto e 15 de dezembro. posteriormente um segundo festival foi acrescentado, a Equirria, em honra a Marte, realizado todo ano, também em duas datas, 27 de fevereiro e 14 de março. Pelo fim da era dos reis, em 509 a.C., a corrida de charretes já era o evento principal dos festivais.
Nos séculos da república, a popularidade da corrida de charretes continuou a aumentar; as corridas de cavalos ainda constavam do programa, mas passaram a ser apenas um acompanhamento, com acrobatas pulando entre ou sobre os cavalos.
No século IV a.C., foram criados os Ludi, no qual festivais foram expandidos e duravam vários dias seguidos. Os Ludi eram financiados pelo Estado e honrando divindades específicas. O mais antigo era o Ludi Romani, em honra à triade Júpiter, Juno e Minerva, para a celebração do aniversário da fundação o tempo de Jupiter Optimus Maximos no capitólio, em 13 de setembro. Inicialmente os ludi Romani duravam cinco dias, até atingirem 14 dias, entre 5 e 19 de setembro, com duas partes permanentes: peças de teatro e corridas de charrete. Mais dias eram dedicados às peças porque as corridas eram muito mais caras e dificeis de organizar.
Os Ludi Plebei em honra a Jupiter foram criados durante a Segunda Guerra Punica em 216 a.C., realizados entre 4 e 17 de novembro, com tres dias reservados à corrida de charretes.
Os Ludi Apollinares em honra a Apollo foram criados oito anos depois em 208 a.C., entre 6 e 13 de julho, com dois dias de corrida de charretes.
Em 191 a.C. foram criados os Ludi Megalenses, de 4 a 10 de abril, em honra a Cybele, a grande mãe da Frigia, com um dia de corrida de charretes no seu encerramento.
De 12 a 19 de abril havia os Ludi Cereales, em honra a Ceres, deusa da fertilidade, de novo encerrado com um dia de corrida de charretes.
Finalmente, entre 27 de abril e 3 de maio, os Ludi Florales, em horna a Flora, também com corrida de charretes.no seu final.
O aumento do número dos dias de jogos estava associado ao crescimento da própria Roma, que a partir dos seculos V e IV séculos, crescia rapidamente e estava se transformando em uma metrópole, atraindo visitantes e novos habitantes… Em 218 a.C., no início da Segunda Guerra Púnica, deveria ter uma população de 125 mil habitantes, chegando a 300 mil habitantes em 133 a.C., no tempo de Tibério Graco. as corridas eram conhecidas e populares fora de Roma, sendo procuradas como um entretenimento pelos recem chegados, e as autoridades captaram este interesse expandindo as arquibancadas. Os competidores deixaram de ser exclusivamente aristocratas, como filhos de senadores e cavaleiros, e passaram a ser condutores especialmente treinados, de origem comum, com o qual o povo poderia se identificar, e passou a se sentir participante do espetáculo. Obviamente a distinção entre classes sociais persistia, com os assentos mais próximos sendo reservados aos senadores e cavaleiros, e as arquibancadas mais altas e distantes permitidas ao povo comum.
Nesta época os gladiadores estavam apenas surgindo como acessório a celebridades funebres.
No último século da República, foram criados dois novos jogos, em honra não a deuses antigos, mas a realizações de governantes, em uma certa quebra de tradição.
Temos então os Ludi Victoriae Sullanae, estabelecido por Sila em 82 a.C., para celebrar sua vitória sobre os Italianos na Guerra Social. nominalmente honrava a deusa Victória, mas o objetivo era realmente lembrar de Sila, “restaurador da republica Romana” e “protetor e benfeitor do povo romano” através de seu cargo de Dictator. Era realizado de 26 de outubro a 1 de novembro, encerrado com corrida de charretes.
César seguiu o exemplo de Sila criando os Ludi Victoriae Caesaris, de 20 a 30 de julho (creio que o nome do mês já havia mudado de Quinctilis para Julius). De dez dias, nos três ultimos eram realizadas corridas de charretes.
As decisões dos dois ditadores, de criar jogos em sua própria honra, tiveram consequencias importantes, tirando o festivais esportivos de seu contexto religioso tradicional, estimulando outros a fazerem o mesmo. Foi o que criou as bases para os jogos de circo da era imperial.