Brasil – periodo anos 30 e 40
Está em processo de revisão um livro sobre a 2ª Guerra Mundial, com um trabalho de pesquisa que realizei durante muitos anos, nos Estados Unidos, nos arquivos europeus e mais recentemente em registros históricos do exército no Rio de Janeiro e em Brasília. Encontrei, por sorte, um documento que acredito nem Hélio Silva viu. Ele é o grande historiador brasileiro do período da 2ª Guerra Mundial, com a trilogia: 1939 - Véspera de Guerra, 1942 - Guerra no Continente e 1944 - O Brasil na Guerra. Conversei muitas vezes com ele, mas nunca fez menção a um relatório do general Eurico Gaspar Dutra ao presidente Getúlio Vargas, documento com carimbo de secreto, que casualmente encontrei no arquivo histórico do exército. Tem mais de 400 páginas, e é um verdadeiro estudo da situação estratégica, política, militar e industrial do Brasil naquele período. Nele percebe-se claramente a grande preocupação que o país tinha com temas de ordem social, relações internacionais de fronteira com a Argentina, com questões inclusive de industrialização, como a intenção do marechal Dutra de privatizar a produção de armamentos. Ele diz ao presidente Vargas que o Brasil não deve ter uma indústria militar estatal, porque o Estado brasileiro não seria capaz de mantê-la. É interessante notar que o país se preocupava muito com a guerra com a Alemanha. Tanto Dutra como o general Góis Monteiro, que era o chefe do estado-maior do exército, opunham-se ao rompimento de relações entre as duas nações, porque temiam o poderio germânico, que não era pequeno, sem contar os 600 mil descendentes de alemães que moravam no Brasil.
Na vertente política, vamos começar falando de uma primeira incursão brasileira no cenário militar, que foi a participação na 1ª Guerra Mundial. Pouca gente sabe que o Brasil entrou em guerra contra a Alemanha em 1917, no governo Venceslau Brás. Foi uma atuação muito pequena, com a criação da Divisão Naval de Operações de Guerra. Essa esquadra brasileira foi patrulhar a costa da África, mas nunca deu um tiro. Incluía dois encouraçados, São Paulo e Minas Gerais, na época modernos e muito bem armados com baterias de 305 mm. Na assinatura do documento que encerrou a guerra na Europa, o Tratado de Versalhes, o Brasil foi apenas observador. Esse tratado, aliás, pode ser considerado o início da 2ª Guerra. A pressão sobre a Alemanha fez com que um cabo desconhecido chegasse ao poder de forma tão desastrosa para o mundo.
O Brasil começou a tomar dimensão internacional a partir de 1938, quando o regime nazista se consolidou na Alemanha, e o III Reich manifestou forte interesse pela América do Sul. O livro Crônica de uma Guerra Secreta, de autoria do embaixador Sergio Corrêa da Costa, mostra a importância que o Estado nazista dava ao Cone Sul. A expansão do nazismo e o grande número de imigrantes alemães no sul do país nos colocavam na rota das doutrinas nazi-fascistas, até porque a colônia italiana era maior ainda do que a alemã, só que menos aguerrida. Faço um pequeno parêntesis para dizer que os alemães fora da Alemanha eram chamados de povo alemão. Tenho um tio que participou da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e combateu em Monte Castelo, na Itália. No dia em que a divisão brasileira aprisionou em Fornovo a 148ª Divisão Alemã de Infantaria, ele conheceu um soldado alemão nascido em Santa Catarina, que falava fluentemente português e pediu que trouxesse uma carta para a família dele. Tinha se alistado, atendendo à convocação do Reich para lutar pela Alemanha.
A existência de uma numerosa colônia alemã no sul do Brasil, aliada ao fato de que a Argentina era forte simpatizante das idéias nazistas, preocupou o governo norte-americano, gerando uma disputa entre Washington e Berlim pela aproximação com o Brasil. Em 1938, nosso país fez uma grande encomenda de armas pesadas à casa Krupp, da Alemanha, um contrato para fornecimento de 1.080 peças de artilharia, tanto de campanha quanto antiaéreas, além de munição e viaturas de apoio. Vi esse documento na biblioteca do exército, no Rio de Janeiro. Esse fato criou uma nova linha doutrinária para o exército brasileiro, que até então seguia o modelo francês. Como a França foi vencedora da 1ª Guerra Mundial, o Brasil contratou uma missão militar desse país que ficou aqui de 1919 a 1940. A doutrina militar francesa influenciou muito o comportamento do exército brasileiro, como na cavalaria, na infantaria, na artilharia de campanha como base de combate, e nunca a arma blindada. Então, quando o Brasil entrou na guerra, o grande problema foi mudar para os padrões norte-americanos, uma verdadeira loucura. O pessoal da artilharia não se conformava porque no modelo francês quem dirigia o fogo da bateria era um capitão que entendia de matemática, função exercida por sargentos no norte-americano. Os capitães, trocados por sargentos, evidentemente sentiram-se desprestigiados.
O contrato com a Krupp e a aquisição em 1938 de três submarinos da Itália fascista mobilizaram o presidente Franklin Delano Roosevelt a se aproximar do Brasil. Os norte-americanos nos cortejaram de 1938 até meados de 1944. A importância do nordeste no conflito foi transcendental. Os arquivos revelam como os líderes da época, de Winston Churchill a Roosevelt, e os generais norte-americanos falaram bem de Natal, considerada o trampolim da vitória. É interessante dizer que, além da importância estratégica das bases no nordeste, lá é que foi definida a participação do exército brasileiro no teatro europeu. O país enviaria não uma divisão, mas um corpo de exército, em um acerto entre Roosevelt e Getúlio Vargas, realizado em fevereiro de 1943 na base aérea na cidade de Natal. Seriam quatro divisões, das quais três de infantaria e uma motomecanizada. Depois, por questões operacionais, foram reduzidas a apenas uma, pela dificuldade que o Brasil tinha de manter 100 mil homens nas condições de treinamento que os norte-americanos exigiam.
Recife e Natal se notabilizaram entre os Aliados, a primeira por deter o comando naval da 4ª Esquadra dos Estados Unidos, cuja área de atuação era o Atlântico Sul. E Natal por sediar a maior base aérea norte-americana fora do território dos Estados Unidos. Até o final de 1942, para se ter uma idéia, havia 30 mil norte-americanos em Natal, quando a população da cidade era de 20 mil.
Por que Natal era importante? Em 1942, a Rússia enfrentava uma forte pressão do exército alemão, que tinha avançado pelo norte da África, onde Dacar era uma possessão francesa. Segundo a doutrina militar norte-americana, poderia haver uma dupla pinça de ataque aos Estados Unidos, uma pela Noruega e outra pelo nordeste brasileiro. De Dacar a Natal são 1.600 milhas náuticas de distância. Essa pinça seria reforçada pelos alemães que viviam no Brasil. Dos 600 mil que moravam em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, 100 mil tinham treinamento militar, ou seja, tinham estudado na Alemanha. Um grupo de alemães desse porte, equivalente a mais ou menos seis divisões, além da simpatia muito grande da Argentina, forçaria o Brasil para o lado alemão.
Além disso, havia a rota. Quando os norte-americanos lançaram a Operação Tocha, que foi a invasão do norte da África em 1942, estabeleceram uma rota aérea Estados Unidos-Belém-Natal, Natal-Dacar, Dacar-Cairo, Cairo-Teerã, Teerã-território russo. Muitos abastecimentos para os russos, que eram emergenciais e não podiam seguir por comboios, passaram por Natal. Hoje, o Aeroporto Internacional do Recife, um dos mais importantes do país, tem 153 pousos e decolagens diários. Durante a 2ª Guerra Mundial Natal tinha 400 a 600 por dia. E o estado-maior norte-americano previa, no caso de o Brasil não aderir aos Aliados, uma força de 115 mil homens invadindo o nordeste. Era a operação Pote de Ouro, mantida em sigilo durante 30 anos e só recentemente divulgada.
Com a atuação do Brasil na guerra, tivemos a oportunidade de participar da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), e foi a primeira vez que o Brasil tentou fazer parte do Conselho Permanente de Segurança. Essa questão que hoje está nos jornais - a China, a Índia e a Rússia dizendo que não apóiam o Brasil com poder de veto no Conselho de Segurança -, essa briga já é de 1945/46. Na época, quem vetou o Brasil foram a Grã-Bretanha e a União Soviética. O argumento de ambos foi que o Brasil não tinha tido uma posição favorável aos Aliados até 1942. Essa postura, que Getúlio soube usar muito bem para trazer a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), prejudicou o Brasil.
Além disso, o pós-guerra determinou certo arrefecimento do prestígio internacional do país. Diz um professor da Universidade New Hampshire que depois da 2ª Guerra Mundial os brasileiros se magoaram com os norte-americanos, porque acreditavam que estes lhes tinham dado as costas. É lógico, quando a guerra foi se tornando cada vez mais européia, pois deixou de existir na África, o prestígio do Brasil diminuiu. Fechamos um acordo militar com os Estados Unidos em 1947, que durou até 1977, quando foi denunciado por Ernesto Geisel. Ele tinha o objetivo de dotar as forças armadas brasileiras do material do estado-da-arte das forças armadas norte-americanas. Mas o Brasil, no governo Dutra, em 1950, recusou-se a mandar 50 mil homens para a Guerra da Coréia, e a partir daí os norte-americanos realmente nos deram as costas. Nos anos 50, o Brasil teve pouca participação na cena política, militar e econômica internacional, fato esse que continuou nos 60. Na década de 70, a partir do chamado milagre brasileiro, o país despertou o interesse dos investidores internacionais.
Link com dados sobre o Brasil, visão de um americano
http://www.tau.ac.il/eial/VI_2/mccann.htm