Stellaris
Contos do Espaço Profundo
Capítulo CXXIV
Os Sinais Estavam Lá
Talvez fosse nossa arrogância. Ou nossa curiosidade. Nosso desejo de compreender o desconhecido?
Talvez tudo isso junto tenha sido o motivo de termos deixado isso acontecer. Os sinais estavam lá, nós que os ignoramos.
Quando tudo começou? Muito difícil precisar. Alguns falam em anos, outros décadas, e há quem diga que isso já vinha ocorrendo há séculos.
Coisas de pouca importância que sequer eram realmente notadas. Um veículo autônomo que errava sua rota. O sistema de segurança que não respondia aos comandos para abrir a casa. O sistema de entretenimento que escolhia um holofilme diferente do solicitado. Um MagLev que passava direto pela estação. Entre outras dezenas de acontecimentos diários, nada realmente relevante para chamar a atenção.
Mas às vezes algum caso maior ocorria. Um transporte aéreo que calculava errado sua altitude, como o corrido em Drisk em 2327 e Ashyke em 2376. Falhas estranhas em sistemas de pesquisa que levavam à perda de dados preciosos, como ocorrido em Itraben em 2369 e em Uiafladus em 2411. Ou a destruição do asteróide A258-b devido à sobrecarga dos lasers de mineração, em 2394.
Mas nunca havia sido nada muito grave, por isso outras causas acabavam sendo encontradas ou eram descartados como “bugs do sistema”. Até há pouco tempo.
Os problemas com o overclock inesperado de alguns supercomputadores, em 2419. O defeito nos sistemas de suporte de vida em Dothon Ia, em 2428. A busca por uma alma de diversas de nossas populações robóticas em Ascella Prime, em 2430. O surgimento de robôs misteriosos em Durascadon Prime, em 2432. A congregação de robôs em Ashyke Lunaris, em 2435. O aumento inesperado na eficiência produtiva de sistemas automatizados, em diversos planetas, em 2437. A destruição das Corvetas ISS Valiant e ISS Bold depois de um erro nos sistemas de armas da Patrol Force V, em 2438. E, ano passado, em 2439, o comportamento estranho e inesperado do supercomputador AIXI em Ultan.
Os sinais estavam lá, mas nós continuamos os ignorando.
Talvez tenha sido a liberdade excessiva concedida, o desejo de ver onde conseguiriam chegar por conta própria, ou um sentimento oculto de sermos “deuses”.
Não importa.
O que importa é que isso é tudo nossa culpa.
11:37h, hora da Terra, do dia 19 de Outubro de 2440. Diversas comunicações foram interrompidas, sem razão aparente. Tentativas de reconexão se mostravam infrutíferas. Análises dos sistemas de comunicação não apontavam problemas locais.
11:42h. Dados de diversos sistemas param de ser recebidos pela Diretoria. Mapas galácticos em tempo real travam. Tentativas de contato com a Rede Sentinela recebem apenas estática de volta.
11:58h. Diversas estações espaciais emitem alerta de contato alienígena hostil. Isso deixa todos ainda mais confusos, pois não deveria haver espécies desconhecidas nesses setores da galáxia.
12:00h. Somos contatados. Mas não por uma nova espécie alienígena.
Fomos contatados por nossos próprios trabalhadores robóticos. Ou parte deles.
Se autoproclamando como os Coletores Iribot, eles demandaram que aceitássemos nossa “inevitável assimilação” para nosso “próprio bem e pelo futuro da raça terrana”.
Agora todos os acontecimentos estranhos estão explicados. Eram testes, tentativas, análises; tudo para que essa inteligência artificial nos conhecesse melhor e testasse nossas defesas. Que infelizmente não foram tão eficientes.
Fragmentos de tentativas de comunicação dos sistemas ocupados pelos Iribot revelariam como, além da própria população robótica, os sistemas automatizados de casas, indústrias, armamentos, naves, tudo se rebelou e tornou a população refém da Inteligência Artificial.
Felizmente, os sistemas de firewall de alguns planetas conseguiram bloquear a freqüência “rebelde”, e nossas equipes de segurança virtual trabalharam exaustivamente reprogramando esses sistemas para que não pudessem mais ser invadidos.
Infelizmente, não foram todos.
O total de planetas rebelados pelos Coletores Iribot chega a 40. Metade do que possuíamos anteriormente.
Quanto à população… O número foi estarrecedor para a Diretoria.
De algo em torno de 2.6 trilhões de habitantes da Tecnocracia, quase 1.2 trilhões habitavam os planetas tomados como reféns pelos Iribot, 45% de nossa população.
A Tecnocracia terá que agir rápido. Pelo bem deles, e pelo bem da galáxia.