CAPÍTULO II: Por que estamos sós?
Uma forte onda de choque sacudiu a nave Korolev, após a saída do Hipercosmos. Na ponte, os imediatos mal se aguentaram em suas cadeiras. O capitão-comandante Qiang He era o único que mantivera o semblante praticamente inexpressivo, mas que escondia uma enorme satisfação… Haviam feito a travessia para o Sistema Binário de Sirius!
As primeiras leituras eram surpreendentes. Os fragmentos de informações colhidos pelas sondas das décadas anteriores que apontavam a existência de moléculas orgânicas no sistema não chegavam nem próximos do que os sensores da nave captavam: a zona habitável do sistema estelar era maior que o projetado inicialmente, envolvendo cinco planetas telúricos entre os sete de Sirius… E o mais incrível: os enormes planetas Sirius II e Sirius III indicavam massas de água em estado líquido! Pela rotação do sistema, Sirius II estaria ao alcance em dois meses.
A bordo da Korolev, oficiais de Cosmofísica e Engenharia Cosmonáutica debatiam as principais teorias sobre esse plano dimensional que foram concretizadas. Principalmente aquela que apontava a abundância de radiação gama no hipercampo… Altamente nociva para qualquer estrutura orgânica, impeditiva de observação a olho nu e sugestiva de blindagem total no casco na nave.
Outras teorias foram comprovadas: a incapacidade de manobra bidirecional, impossibilitando o “salto dentro do salto”; e o impedimento de comunicações de dentro do Hipercosmos para o Espaço-Tempo. No entanto, protótipos de “boias de comunicação por navegação hiperpropulsada” permitiriam comunicações com semanas de atraso, substituindo a comunicação convencional que impunha um atraso de quase uma década, uma vez que Sirius estava a mais de oito-anos luz da Terra. Graças a essas constatações e as limitações de funcionamento da propulsão hipercósmica, os sistemas de navegação poderiam construir uma espécie de rede de “hiperestradas”, com saltos unidirecionais sistema-a-sistema.
A chegada da Korolev a Sirius II foi marcada por expectativas, em meados de abril de 2200, quando a nave orbitou o exoplaneta. As leituras indicam que a massa total de Sirius II e seu diâmetro planetário era 20% maior que a Terra. A composição atmosférica indicava um ar extremamente rarefeito para a fisiologia humana. E, assim, várias equipes de exploração desceram ao planeta.
Equipe de exploração XVII no Vales Fera Harenae, na latitude norte de Sirius II. O brilho azulado das estrelas binárias tornava o céu muito parecido com o céu terrestre.
O clima árido do planeta com certeza não era um impeditivo para o maior achado do século XXII: havia vida em Sirius! Havia formas de vida a base de carbono em abundância sobre a superfície do planeta… De vida microbiana a vegetais e animais de grande porte. Ao longo de duas semanas, as equipes colheram informações suficientes para décadas de Exobiologia. Prospecções indicavam ainda uma variedade anômala de recursos exóticos a serem investigados no futuro.
Os relatórios enviados para a Terra respondiam a uma das questões mais inquietantes… A vida certamente era abundante no Universo! Enquanto a Korolev para inspecionar Sirius IV, as notícias, imagens e informações de Sirius II se espalhavam pelo mundo. Os modelos climáticos indicavam que, pelo ciclo de translação, o planeta possuía três estações definidas, desde uma estação de leve regadio, uma de altas temperaturas e outra simplesmente infernal. Era impressionante como um mundo árido como aquele pudesse suportar tamanha variedade biológica!
Na Estação Espacial Solar, os últimos preparativos para o comissionamento da Nave Científica Gagarin foram finalizados com pressa. Com tamanho sucesso da Missão Sirius, não a toa o Diretório-Geral determinou a antecipação de uma nova missão. Sirius havia sido uma escolha segura antes de Alpha Centauri, apesar da distância superior, pois a força gravitacional das estrelas havia praticamente eliminado a constelação de meteoroides. Contatou-se anteriormente que o sistema ternário de Centauri possuía quantidades elevadas de objetos errantes. Assim, a gigante vermelha de Barnard recebera prioridade.
Para a Missão Barnard, o cientista-chefe do Programa de Exoarqueologia Solar - o indiano Rajesh Chandrasekhar - foi escolhido como capitão-comandante na nave. Sua controversa teoria sobre “Sistema Solar: Um Laboratório Esterilizado?” havia ganhado força com a ausência completa e “forçada” de vida além da Terra. “Forçada”, segundo ele, uma vez que planetas como Vênus, Marte e luas dos Gigantes Gasosos continham moléculas orgânicas e formações rochosas anômalas em quantidades significativas no sistema, o que indicava algum processo artificial de esterilização do Sistema Solar, semelhante a um laboratório de microbiologia, onde o único ponto de interesse está sobre as placas de Petri ou em incubadoras.
A viagem da Gagarin para a nuvem de Oort ocorreria sob a expectativa de um salto bem sucedido. Entre os milhares de tripulantes e oficias na nave científica, haviam aqueles que viam na nomeação de Chandrasekhar, uma compensação política para anos de busca científicas infrutíferas.
Enquanto a Missão Sirius prosseguia, em agosto de 2200, a nave Gagarin saltou de forma bem sucedida para o Sistema da Estrela de Barnard: uma Gigante Vermelha, na qual orbitavam quatro planetas: três telúricos e um gigante gasoso. Os sensores não indicavam presença de água em estado líquido no sistema ou pontos de interesse. Pela posição de navegação, Barnard IV, o gigante gasoso, seria o primeiro planeta a ser investigado.
O planeta em si não parecia ser muito diferente de Júpiter. Era composto por hidrogênio e hélio… Um pouco frustrante para o capitão Rajesh, que esperava poder ter a mesma sorte que Qiang He, encontrando uma descoberta semelhante. Só restava completar a rotação orbital e seguir para Barnard II.
Minutos antes de completar o ciclo orbital e acionar a sequência de impulsão a 100%, um jovem oficial da ponte notou algo estranho no visor. Uma leitura tênue e contínua de massa. No mesmo instante, os sensores computadorizados dispararam na ponte, com a voz metálica ecoando:
- ALERTA DE PROXIMIDADE! ALERTA! ALERTA DE PROXIMIDADE!
Todas as contramedidas foram ativadas. A energia do processo de ignição fora redirecionada para os escudos. Minutos se passavam sob muita tensão. A despeito dos temores, nenhuma frequência ou sinal luminoso era captado. Somente a estrutura massiva figurava nos sensores. E o que aparecera apenas neles, começava a se tornar um contato visual, refletindo a luz rubra da estrela. O capitão-comandante Rajesh foi aconselhado por mais de uma vez à reversão evasiva, como previa o protocolo… Mas sua curiosidade e anseio por resposta superou sua razão naquele instante.
Ao se aproximarem, a estrutura emudeceu a todos na ponte… De natureza claramente metálica e orbitando passivamente o planeta…Inerte.
Os drones enviados indicavam danos por impacto no casco e destroços numerosos. Análises indicavam vestígios de combustão de propulsão química em aberturas semelhantes a baias, datados em centenas de milhares de anos. Se assemelhava à Estação Espacial Solar, mas como haveria de ser? Mesmo a gigantesca nave Gagarin parecia ínfima perto da estrutura, que alguns sentiam dificuldade em chamar de “alienígena”. Uma área que se assemelhava a uma impacto estrutural parecia ainda completamente selada.
O capitão-comandante leu o relatório da situação à tripulação. Sabia perfeitamente que o protocolo de evasão deveria ser seguido, mas não o fora. Sabia também que fosse uma presença agressiva, naquela distância a fuga era inescapável, então qualquer ação era possível. Enobreceu a coragem de todos, ressaltando que a exploração do desconhecido impunha desafios e assumiu a responsabilidade diante do Diretório-Geral. Tudo seria reportado de imediato para a Terra e suas ações provavelmente seriam postas a judice.
Quando os relatórios de informação eram analisados com cautela na Terra, o Diretor-Geral Igor Zhivenkov pessoalmente sabia que havia acertado no apoio à Chandrasekhar. Fosse outro oficial-comandante provavelmente a nave teria abandonado a missão, por covardia ou excesso de cautela. O cosmos não certamente não era para pessoas temerosas. Mas devia instaurar uma sindicância para apurar as ações do comandante.
Enquanto o Sistema de Barnard seguia sob escrutínio da Gagarin, seria a Korolev e seu comandante Qiang He que encontrariam outro achado perturbador. Na lua congelada de Sirius IV, um ponto isolado emitia ondas significativas em infravermelho, localizado em uma cadeia montanhosa. Ao chegar no local, as equipes de inspeção, informadas do “encontro” em Barnard e crentes de se tratar de objeto artificial, depararam-se com um maquinário operando para sustentar a sinalização de calor. Após dois dias, os geólogos e engenheiros chegaram à conclusão que o maquinário possuía relação com prospectos minerais na região… Era uma espécie de farol rastreador indicativo para mineração de origem extraterrestre, deixado ali há milênios.
As notícias dos “encontros” foram largamente difundidas em todo o mundo, com o temor de como a opinião pública encararia a realidade dos fatos por parte do Diretório-Geral… O mundo estava aberto a Ciência, mas uma coisa eram os resultados de um laboratório, outra era a constatação que não estávamos sós!
O achado por parte da Korolev acabou sendo um atenuante para o cientista Rajesh Chandrasekhar, que teve o processo discretamente arquivado após a opinião de Qiang He, indicando que um encontro é inevitável independentemente de qualquer protocolo. Pelo contrário, o Diretor-Geral Igor Zhivenkov emitiu uma declaração largamente favorável ao comandante indiano. Era evidente naquela conjuntura, que aquilo que os humanos consideravam como “evasivo e não beligerante”, poderia ser visto como “ameaçador” por outra inteligência. Afinal, os dois primeiros sistemas extrassolares explorados pela humanidade apresentavam provas incontestáveis não apenas de vida senciente, mas indicativas de intenção…
Construir uma estação espacial, implantar um rastreador de mineração. Quem ou o que colocou tais estruturas teria não um instinto provavelmente, mas um propósito… Qualquer que fosse ele. Por mais que as antigas perguntas fossem respondidas, outras resistiam, principalmente aquela que questionava o “isolamento da Terra”, como teorizado por Chandrasekhar, enquanto logo nas cercanias do Sol haviam restos incontestáveis de datações diferentes.
Se os vestígios são evidentes e provam atividades de origem inteligente no passado, por que continuamos sós?